26 de fevereiro de 2013

Take II

Há uma regra sagrada para todos os marinheiros: nunca baptizar um navio com um nome de um antecessor perdido no mar.

Respeitando a tradição, o multimilionário australiano Clive Palmer, dono de uma empresa intitulada "Blue Star Line" decidiu construir uma (quase) réplica do mal-fadado transatlântico mais luxuoso de todos os tempos, o RMS Titanic.

Como a primeira versão idealizada por J. P. Morgan não resultou, outro multimilionário aceitou o desafio de criar o objecto flutuante mais luxuoso do seu tempo – prestando homenagem ao seu antecessor. 

Oh, céus, já consigo ouvir as suas vozes trémulas, cantando Nearer My God to Thee, enquanto tiritam de frio e lutam contra a hipotermia.

Não, não é pessimismo da minha parte, acreditem. Antes de termos mais uma luxuosa carcaça de aço a repousar no fundo do Atlântico, queria dizer umas palavrinhas acerca desta bizarra ideia.

Se a ideia do magnata australiano é prestar homenagem ao Titanic, construindo outro, porque não fazer um bom documentário sobre o navio, ou construir um pavilhão de realidade virtual, como aqueles da Expo 98, ou, se quisesse ser mesmo ousado, porque não construir uma máquina do tempo que transportasse as pessoas directamente até 1912? Seria muito mais divertido e excitante do que construir uma réplica de um navio com fatos de época e dividido por classes proibidas de conviverem umas com as outras.

Não estou a brincar. Acho apenas que este é o tipo de fulano que mais me sinto incapaz de compreender... Basicamente, ele tem dinheiro para acabar com a fome no planeta, para garantir saúde e educação para toda a gente, talvez até tenha dinheiro para acabar com a dependência do ser humano do petróleo e do carvão! Mas o que é que ele faz com todo o dinheiro que tem? Manda construir uma réplica de um navio com que outro magnata (com um ego igualmente titânico) já sonhara no passado. É certo que dará emprego a muitas pessoas, mas há muito mais e muito melhor que se poderia fazer pelo bem da humanidade.

Aparentemente, só eu é que acho este plano absolutamente ridículo. Helen Benziger, uma descendente da "Unsinkable" Molly Brown, afirmou numa conferência de imprensa que esta seria uma oportunidade de experienciar um civismo que falta no mundo moderno. “I think it’s a chance to go back in time.” Respeito o seu ponto de vista, mas já apresentei outras alternativas.

O Titanic II será construído nos estaleiros da CSC Jinling Shipyard, uma empresa chinesa (o que me faz pensar se o navio chegará sequer inteiro à Inglaterra) e a sua viagem inaugural será também de Southhampton para Nova Iorque. A White Star Line afirmou que o Titanic era "inafundável", a Blue Star Line afirma que o Titanic II é o mais seguro do mundo. Que auspicioso, não?

Mas o multimilionário diz que não é supersticioso e que planeia viajar em terceira classe na viagem inaugural. “I’ll be looking forward to it as you bang the drum and play the fiddle, twirling around like Leonardo does.” Diz ele.

Quanto a mim, sites como este e o filme de James Cameron são experiências e homenagens suficientes ao sonho mais ambicioso do ser humano e ao mais flagrante momento de estupidez humana.

Qual acidente, qual carapuça!

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