11 de dezembro de 2016

Obrigadinho, Carlos!



Todos nós já ouvimos a frase popular: “Nunca conheças os teus ídolos, porque sairás sempre desiludido”. Eu só posso dizer de viva experiência: pobre de quem nunca partilhou o mesmo espaço com alguém que admira. 

Por um qualquer milagre, tive a sorte de estar no sítio certo à hora certa (coisa rara na minha vida, diga-se). 

Para quem não viu o meu último post, o escritor Carlos Ruiz Zafón esteve hoje no Salão Nobre da Academia de Ciências de Lisboa, a falar sobre o seu último romance da saga do Cemitério dos Livros Esquecidos – o escritor que até o Presidente da República estava ansioso por ler! 

Por pura sorte, consegui contactar um amigo da faculdade, a pessoa que me apresentou a este escritor, ao emprestar-me A Sombra do Vento no primeiro ano da licenciatura. Meu Deus, foi mesmo amor à primeira vista! Por um ainda mais feliz acaso, o meu amigo tinha o dia livre e combinámos encontrar-nos para fazer uma peregrinação que todo fã de Zafón teria feito naquele dia. 

Assistir à apresentação d’ O Labirinto dos Espíritos não era um esforço qualquer. A saga do Cemitério dos Livros Esquecidos demorou 15 anos a concluir. Fechou com chave de ouro com O Labirinto dos Espíritos mas, como o próprio autor disse repetidamente, não há um primeiro livro e um último livro; são quatro livros como quatro portas de entrada para esta maravilhosa saga sobre livros e o feitiço mais maravilhoso de todos – a Literatura. 


Obrigadinho amigo pela companhia neste dia glorioso!

¡Obrigadinho por toda la literatura, maestro Zafón!

5 de dezembro de 2016

Zafón em Terras Lusas

O autor da tetralogia do "Cemitério dos Livros Esquecidos" vem apresentar o seu mais recente livro, O Labirinto dos Espíritos a Lisboa. 



Uma oportunidade a não perder!

26 de outubro de 2016

ALMA 2017


Segundo fonte da Agência Lusa, a escritora Maria Teresa Maia Gonzalez foi nomeada para o prémio literário sueco ALMA pelo segundo ano consecutivo. A autora de Lua de Joana, O Guarda da Praia, da colecção "Profissão: Adolescente" e co-autora da colecção "O Clube das Chaves" foi nomeada pelo segundo ano consecutivo para este prémio. 

Justiça seria feita a esta escritora se ela ganhasse. Muitos me dirão que ela não merece o prémio, ou sequer a nomeação, por escrever livros para jovens. Eu acho que escrever literatura infanto-juvenil é uma enorme responsabilidade; moldar as mentes jovens é uma tarefa muito delicada, com efeitos permanentes no desenvolvimento de um jovem leitor.

Espero que Maria Teresa Maia Gonzalez seja agraciada com este prémio. Ela é uma das escritoras não celebradas em Portugal (por algum motivo que eu não compreendo), por isso, era bom que alguém lhe reconhecesse o valor que ela obviamente tem na produção literária nacional.   

13 de outubro de 2016

Solidão Afortunada

Enquanto eu vir o sol luzir nas folhas
E sentir toda a brisa nos cabelos
        Não quererei mais nada.
Que me pode o Destino conceder
Melhor que o lapso sensual da vida
        Entre ignorâncias destas?
Sábio deveras o que não procura,
Que, procurando, achara o abismo em tudo
        E a dúvida em si mesmo.
Pomos a dúvida onde há rosas. Damos
Quase tudo do sentido a entendê-lo
        E ignoramos, pensantes.
Estranha a nós a natureza extensa
Campos ondula, flores abre, frutos
        Cora, e a morte chega.
Terei razão, se a alguém razão é dada,
Quando me a morte conturbar a mente
        E já não veja mais
Que à razão de saber porque vivemos
Nós nem a achamos nem achar se deve,
        Impropícia e profunda.



Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.
Mas finge sem fingimento.
Nada esperes que em ti já não exista,
Cada um consigo é triste.
Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,
Sorte se a sorte é dada.

–– Ricardo Reis


13 de setembro de 2016

Dia Histórico


Trechos do Desassossego (21)

Adoramos a perfeição, porque a não podemos ter; repugna-la-íamos, se a tivéssemos. O perfeito é o desumano, porque o humano é imperfeito.

Que tragédia não acreditar na perfectibilidade humana!...
- E que tragédia acreditar nela!

Escrever uma obra de arte com o preciso tamanho para ser grande, e a precisa perfeição para ser sublime, ninguém tem o divino de o fazer, a sorte de o ter feito. O que não pode ir de um jacto sofre do acidentado do nosso espírito.

Não há método de obter a Perfeição excepto ser Deus. O nosso maior esforço dura tempo; o tempo que dura atravessa diversos estados da nossa alma, e cada estado de alma, como não é outro, qualquer, perturba com a sua personalidade a individualidade da obra. Só temos a certeza de escrever mal, quando escrevemos; a única obra grande e perfeita é aquela que nunca se sonhe realizar. Escuta-me ainda, e compadece-te. Ouve tudo isto e diz-me depois se o sonho não vale mais que a vida. O trabalho nunca dá resultado. O esforço nunca chega a parte nenhuma. Só a abstenção é nobre e alta, porque ela é a que reconhece que a realização é sempre inferior, e que a obra feita é sempre a sombra grotesca da obra sonhada. Poder escrever, em palavras sobre papel, que se possam depois ler alto e ouvir, os diálogos das personagens dos meus dramas imaginados! Esses dramas têm uma acção perfeita e sem quebra, diálogos sem falha, mas nem a acção se esboça em mim em comprimento, para que eu a possa projectar em realização; nem são propriamente palavras o que forma a substância desses diálogos íntimos, para que, ouvidas com atenção, eu as possa traduzir para escritas.

Fui génio mais que nos sonhos e menos que na vida. A minha tragédia é esta. Fui o corredor que caiu quase na meta, sendo até aí o primeiro.





Bernardo Soares – Livro do Desassossego



29 de agosto de 2016

"O Labirinto dos Espíritos"

Está a chegar o momento há muito aguardado por tantos milhões de leitores devotos do escritor catalão Carlos Ruiz Zafón. 

O último livro da tetralogia 

Os leitores de língua espanhola estão em contagem decrescente para o dia 17 de Novembro deste ano. Os leitores lusos ainda terão passar mais alguns meses a roer as unhas, pois ainda não há data de publicação em Portugal.

Entretanto, a minha mente ocupa-se em pensar em teorias mirabolantes acerca das personagens dos três primeiros livros e perguntar se os voltarei a ver no último romance... 

Voltaremos a ver o Julián Carax, Fermín Romero de Torres, David Martín, ou o diabólico Andreas Corelli? Será que a Isabella morreu mesmo? (espero que ela tenha fingido a sua morte). O que tem, afinal, Maurício Valls a ver com a vida de Daniel Sempere?

Ai…! Tantas perguntas, tanto tempo à espera…!

13 de agosto de 2016

Flores do Jardim

De uma só vez recolhe
Quantas flores puderes.
Não dura mais que até à morte o dia.
Colhe de que recordes.

A vida é pouco e cerca-a
A sombra e o sem remédio.
Não temos regras que compreendamos,
Súbditos sem governo.

Goza este dia como
Se a Vida fosse nele.
Homens nem deuses fadam, nem destinam

Senão o que ignoramos.



Em vão procuro o bem que me negaram.
As flores dos jardins herdadas de outros
Como hão-de mais que perfumar de longe
        Meu desejo de tê-las?


–– Ricardo Reis


13 de julho de 2016

Trechos do Desassossego (20)

O tédio... Quem tem Deuses nunca tem tédio. O tédio é a falta de uma mitologia. A quem não tem crenças, até a dúvida é impossível, até o cepticismo não tem força para desconfiar. Sim, o tédio é isso: a perda, pela alma, da sua capacidade de se iludir, a falta, no pensamento, da escada inexistente por onde ele sobe sólido à verdade.

A arte livra-nos ilusoriamente da sordidez de sermos. Enquanto sentimos os males e as injúrias de Hamlet, príncipe da Dinamarca, não sentimos os nossos - vis porque são nossos e vis porque são vis.

O governo do mundo começa em nós mesmos. Não são os sinceros que governam o mundo, mas também não são os insinceros. São os que fabricam em si uma sinceridade real por meios artificiais e automáticos; essa sinceridade constitui a sua força, e é ela que irradia para a sinceridade menos falsa dos outros. Saber iludir-se bem é a primeira qualidade do estadista. Só aos poetas e aos filósofos compete a visão prática do mundo, porque só a esses é dado não ter ilusões. Ver claro é não agir.

A liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a necessidade do dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo, mas do Destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti, se, tendo nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes contigo.

Estou quase convencido de que nunca estou desperto. Não sei se não sonho quando vivo, se não vivo quando sonho, ou se o sonho e a vida não são em mim coisas mistas, interseccionadas, de que meu ser consciente se forme por interpenetração.    



Bernardo Soares – Livro do Desassossego



13 de junho de 2016

As Lições de Pessoa

A nova obra com a chancela da Tinta da China já tem nome e até já tem uma capa:

Qualquer bom entendido em Fernando Pessoa já ouviu falar de Jerónimo Pizarro. Ora, este investigador pessoano decidiu, em co-autoria com Carlos Pittella, brindar-nos com algumas 'pérolas' desse mestre que não sabia que o era – Fernando Pessoa. 

Aqui fica o book trailer:


13 de maio de 2016

A Chama da Vida

Concentra-te, e serás sereno e forte;
Mas concentra-te fora de ti mesmo.
Não sê mais para ti que o pedestal
No qual ergas a estátua do teu ser.

Tudo mais empobrece, porque é pobre.



Da lâmpada nocturna
A chama estremece
E o quarto alto ondeia.

Os deuses concedem
Aos seus calmos crentes
Que nunca lhes trema
A chama da vida
Perturbando o aspecto
Do que está em roda,
Mas firme e esguiada
Como preciosa
E antiga pedra,
Guarde a sua calma
Beleza contínua.


–– Ricardo Reis


13 de abril de 2016

Trechos do Desassossego (19)

O mundo, no qual nascemos, sofre de século e meio de renúncia e de violência – da renúncia dos superiores e da violência dos inferiores, que é a sua vitória. Nenhuma qualidade superior pode afirmar-se modernamente, tanto na acção, como no pensamento, na esfera política, como na especulativa. A ruína da influência aristocrática criou uma atmosfera de brutalidade e de indiferença pelas artes, onde uma sensibilidade fina não tem refúgio. Dói mais, cada vez mais, o contacto da alma com a vida. O esforço é cada vez mais doloroso, porque são cada vez mais odiosas as condições exteriores do esforço.

Hoje sou ascético na minha religião de mim. Uma chávena de café, um cigarro e os meus sonhos substituem bem o universo e as suas estrelas, o trabalho, o amor, até a beleza e a glória. Não tenho quase necessidade de estímulos. Ópio tenho-o eu na alma.

O ter tocado nos pés de Cristo não é desculpa para defeitos de pontuação’. Se um homem escreve bem só quando está bêbado dir-lhe-ei: embebede-se. E se ele me disser que o seu fígado sofre com isso, respondo: o que é o seu fígado? É uma coisa morta que vive enquanto você vive, e os poemas que escrever vivem sem enquanto.

Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em que se bata, a ortografia sem ípsilon, como o escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse. Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-ma do seu veto manto régio, pelo qual é senhora e rainha.

A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação. O que sinto, na verdadeira substância com que o sinto, é absolutamente incomunicável; e quanto mais profundamente o sinto, tanto mais incomunicável é. Para que eu, pois, possa transmitir a outrem o que sinto, tenho que traduzir os meus sentimentos na linguagem dele, isto é, que dizer tais coisas como sendo as que eu sinto, que ele, lendo-as, sinta exactamente o que eu senti. E como este outrem é, por hipótese de arte, não esta ou aquela pessoa, mas toda a gente, isto é, aquela pessoa que é comum a todas as pessoas, o que, afinal, tenho que fazer é converter os meus sentimentos num sentimento humano típico, ainda que pervertendo a verdadeira natureza daquilo que senti.


Bernardo Soares – Livro do Desassossego



13 de março de 2016

Fado Cumprido

Cada dia sem gozo não foi teu:
Foi só durares nele. Quanto vivas
Sem que o gozes, não vives.

Não pesa que amas, bebas ou sorrias:
Basta o reflexo do sol ido na água
De um charco, se te é grato.

Feliz o a quem, por ter em coisas mínimas
Seu prazer posto, nenhum dia nega

A natural ventura!



Cada um cumpre o destino que lhe cumpre.
E deseja o destino que deseja;
                Nem cumpre o que deseja,
                Nem deseja o que cumpre.

Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
                Que a Sorte nos fez postos
                Onde houvemos de sê-lo.

Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
                Cumpramos o que somos.
                Nada mais nos é dado.


–– Ricardo Reis


13 de fevereiro de 2016

O Erro e o Inverno

Aqui, neste misérrimo desterro
Onde nem desterrado estou, habito,
Fiel, sem que queira, àquele antigo erro
Pelo qual sou proscrito.
O erro de querer ser igual a alguém
Feliz, em suma — quanto a sorte deu
A cada coração o único bem

De ele poder ser seu.



Breve o inverno virá com sua branca
        Nudez vestir os campos.
As lareiras serão as nossas pátrias
        E os contos que contarmos
Assentados ao pé do seu calor
        Valerão as canções
Com que outrora entre as verdes ervas rijas
        Dizíamos ao sol
O ave atque vale triste e alegre,
        Solenes e carpindo.
Por ora o outono está connosco ainda.
        Se ele nos não agrada
A memória do estio cotejemos
        Com a esperança hiemal.
E entre essas dádivas memoradas
        Como um rio passemos.


–– Ricardo Reis