Não se tratam de perguntas retóricas, mas de uma dúvida existencial. Na escola, ensinaram-nos que no dia 25 de Abril de 1974 passámos da ditadura à democracia... Mas os manuais escolares mais parecem livros de contos de fadas do que uma documentação fiel dos acontecimentos ocorridos na década de 70. Quem estuda História sabe que há acontecimentos que estão ausentes dos manuais, inclusive o facto de que após o dia 25 de Abril de 1974, Portugal caiu num caos político.
O que é que se celebra quando se fala do "dia da liberdade"? O que é que os capitães nos deram, afinal?
As portas que Abril abriu foram escancaradas por um grupo de militares que deram um pontapé nas metafóricas portas e disse que o país tinha que mudar. O Movimento das Forças Armadas prometeu os três Ds: democratizar, descolonizar e desenvolver. Ora: colónias já não temos; desenvolvimento é quase nulo... e quanto à democracia?
No dia em que a palavra de ordem é 'liberdade sempre, fascismo nunca mais' (mantra popular), o panorama político e social português continua a ser marcado por enormes desafios que levantam a questão: o que é que estamos a celebrar no dia 25 de Abril?
Alguém ainda duvida que a democracia portuguesa enfrenta sérios desafios? Basta saber o que fizeram ao capitão Salgueiro Maia após o acto heróico que protagonizou naquele fatídico 25 de Abril para perceber como a democracia começou a ser pervertida. É perverso que, após a colossal operação do 25 de Abril, tenha havido um período de um ano e sete meses de intenso caos político que quase mergulhou Portugal numa guerra civil, ou pior, numa ditadura comunista. É perverso que o 'arquitecto' do 25 de Abril (um golpe sem sangue) tenha acabado nas FP-25, com sangue nas mãos. É perverso que o maior herói da nação em 1974, o capitão Salgueiro Maia, tenha sido tratado como lixo, enquanto o homem que fugiu para a França acabou como o rosto da democracia no país - aquele que foi responsável por duas falências financeiras e pela vinda do FMI e a perda de soberania financeira.
O General Ramalho Eanes e o Capitão Salgueiro Maia são inigualáveis. Portugal deveria estar cheio de pessoas como eles dentro da Assembleia da República, mas não está, e é por isso que estamos onde estamos hoje.
A maioria das pessoas quer ver o copo meio cheio e pensa na melhoria do sistema educativo, na melhoria do sistema de saúde, no facto de as pessoas terem liberdade de expressão, no facto de as pessoas poderem votar livremente, para concluirem que a democracia está viva e de boa saúde. Será a isso que as pessoas se apegam quando comemoram o 25 de Abril?
Tudo isto é verdadeiro em muitos aspectos; a sociedade está muito melhor agora do que estava em 24 de Abril de 1974. Mas os capitães de Abril prometeram-nos muito mais e, em pleno ano de 2024, Portugal está muito atrás de outros países que consideramos civilizados. Será esta conclusão olhar para o copo meio vazio...? Talvez, mas não consigo pensar de forma diferente. Seria o equivalente a enfiar a cabeça na areia e fingir que coisas terríveis não estão a acontecer neste país.
Não posso ignorar o facto de que a justiça é injusta para os pobres, a educação pública é uma farsa e uma vergonha nacional, o SNS permite que mulheres grávidas morram à porta dos hospitais e que haja listas de espera de anos e que não permite que os doentes tenham tratamento em tempo útil, e a corrupção é a norma em vez de ser a excepção.
Aprende-se muito de corrupção em Portugal com as explicações do professor Paulo Morais. A desconfiança generalizada nas instituições democráticas e o desencanto com a classe política são evidentes em muitos setores da sociedade. A corrupção é um dos principais problemas que minam a confiança dos cidadãos no sistema democrático. Escândalos de corrupção que envolvem figuras políticas e empresariais têm abalado a credibilidade das instituições e alimentado um sentimento de injustiça e impunidade entre os cidadãos.
A corrupção rouba o dinheiro arduamente ganho pelos contribuintes e sufoca a capacidade do país de ter um desenvolvimento pleno. Os países do leste da Europa já são mais ricos do que nós, mas basta olhar para Espanha para saber o verdadeiro preço que pagamos pela corrupção. A Espanha passou por uma guerra civil brutal e décadas de ditadura, mas no minuto em que se libertaram o país obteve um desenvolvimento significativo. Ao contrário de Portugal! Ainda somos pobres, os mais pobres da Europa, e isso devemos à corrupção política.
As pessoas que se congratulam por poderem votar ignoram o facto de que, apesar de terem uma voz, os seus desejos nunca são atendidos, porque o poder político só atende certa 'clientela'. Quem tiver muito dinheiro pode influenciar eleições. Os cidadãos que expressam a sua voz através do voto apenas contribuem uma pequena esmola para o sistema corrupto que está lenta mas seguramente a destruir o país. Certamente, não era esta a realidade que os capitães de Abril queriam quando se arriscaram naquela madrugada de 25 de Abril.
50 anos depois, o que temos para comemorar?! A sociedade nunca esteve tão dividida como agora; a radicalização tanto da esquerda como da direita é aterrorizante. É uma radicalização que ocorre em todos os níveis da sociedade: a nível político, a nível cultural e a nível civil. A humilhação em praça pública de opiniões contrárias tem-se vindo a agravar. O surgimento de discursos de ódio, a polarização política e a intolerância à divergência de opiniões têm contribuído para um clima de hostilidade crescente. O debate público saudável, essencial para o funcionamento de uma democracia saudável, tem sido repetidamente substituído pela demonização do "outro" e pela desqualificação das vozes dissidentes.
Se tal não fosse, não estaríamos a ver pessoas a serem silenciadas nos campi universitários, não estaríamos a ver actos de vandalismo contra monumentos culturais da história portuguesa que passam impunes, não estaríamos a ver aqueles movimentos histéricos contra os livros publicados. Sim, falo do incidente da semana passada. Também não estaríamos a ver a asfixia da opinião pública em muitos temas. Mesmo em democracia ainda há assuntos tabu. É no mínimo bizarro que não possa haver no país um debate aberto e informado sobre os acontecimentos do dia 25 de Novembro de 1975 e se essa é ou não uma data que vale a pena comemorar...
É verdadeiramente perverso tentarem transformar o Mário Soares numa espécie de fascista, quando ele esteve directamente envolvido no momento que finalmente colocou Portugal de volta no rumo da Democracia e salvou o país da Guerra Civil. Em que tipo de realidade alternativa vivem estes extremistas de esquerda?! Um dos partidos fundadores da democracia neste país vive hoje envergonhado pela sua história e está disposto a reescrevê-la para vergar a espinha aos extremistas. Irónico, não é?
Ainda no outro dia, o general António Ramalho Eanes, coordenador da operação militar que libertou Portugal do risco de uma Guerra Civil / ditadura comunista, sente-se estupefacto pelo facto de não se assinalar tão importante data para a História de Portugal.
Pensamos que vivemos numa democracia. Queremos acreditar que sim, mas a democracia é bem mais tolerante com as opiniões e ações divergentes do que o regime em que vivemos hoje. Queremos acreditar que a democracia é um regime institucional sólido e indestrutível. Nada poderia estar mais longe da verdade. A democracia é tão frágil quanto as asas de uma borboleta. Basta ver o que aconteceu durante os anos da pandemia. Desde 2020, Portugal mergulhou no caos sanitário e financeiro e desapareceu qualquer equilíbrio entre a proteção da saúde pública e a preservação das liberdades individuais, sem que houvesse qualquer base científica. Os sucessivos estados de emergência foram muito duvidosos do ponto de vista constitucional. Toda e qualquer resistência: aos confinamentos, às máscaras às vacinas ao passaporte sanitário, à aplicação Stayaway Covid foram silenciados, ou pior, ridicularizados em praça pública pelo governo e pelos media. Na televisão e na rádio apenas uma opinião era válida. Todas as outras foram considerados 'chalupas', 'negacionistas' e 'terraplanistas'. A liberdade de expressão e o respeito pela diversidade de opiniões esfumou-se. Somente o conformismo social era permitido. A polícia aplicou coimas elevadas a quem foi apanhado a não cumprir as regras de confinamento (de distanciamento social e uso da máscara em espaços públicos). Os media foram transformados numa grande máquina de propaganda que, em vez dos dois minutos de ódio em Mil novecentos e oitenta e quatro, nos deu noticiários 24 horas por dia, 7 dias por semana, do medo. Muitos cidadãos viviam apavorados e não saíam de casa durante esses dias. O Estado destruiu a economia e os serviços públicos e invadiu a vida privada dos cidadãos como não se via há muitas décadas, sob o pretexto de 'fazemos isto para vosso bem'.
É verdadeiramente perverso que o partido responsável por garantir a democracia nos seus primeiros passos acabasse por ser o mesmo iria suprimir da liberdades, direitos e garantias que havíamos conquistado. Uma emergência sanitária é uma desculpa esfarrapada para atropelar tão violentamente uma jovem democracia. A emergência sanitária foi, sem dúvida, uma situação extraordinária que exigia respostas rápidas e eficazes por parte do governo. No entanto, era imperioso que essas respostas fossem proporcionais, transparentes e respeitassem os princípios democráticos.