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8 de março de 2024

Marie Skłodowska-Curie

Marie Skłodowska-Curie, uma das figuras mais eminentes da Ciência foi uma física e química de origem polaca. O seu brio e dedicação na pesquisa dos usos variados da radioactividade é um exemplo de perseverança, dedicação e paixão pela Ciência. 

Na sua juventude, frequentou a Universidade Volante - uma instituição clandestina, pois as mulheres polacas não podiam aceder ao ensino superior - juntamente com a sua irmã. Aos 24 anos, foi estudar para a reputada Sorbonne em Paris, onde conheceu e se apaixonou por Pierre Curie, professor de Física na faculdade. Atraídos pelo mútuo amor à Ciência, os dois casaram-se. 

Juntos, Marie e Pierre embarcaram numa jornada científica que mudaria o curso da História. As suas pesquisas renderam-lhes o Prémio Nobel da Física em 1903 (após Pierre se insurgir contra Estocolmo, ameaçando recusar o prémio se Marie não fosse galardoada pelas suas pesquisas) tornando Marie a primeira mulher a receber o prestigioso prémio. Em 1911, ela conquistou o Nobel da Química pela sua descoberta dos elementos radioactivos: o polónio (assim chamado em homenagem à sua terra natal) e o rádio.


Apesar de todas as adversidades financeiras e preconceitos contra o papel das mulheres no mundo da Ciência, Marie Curie perseverou, dedicando-se incansavelmente ao seu trabalho e desbravando novos caminhos no campo da Física e da Química. A sua abordagem meticulosa e mente brilhante levaram a avanços revolucionários no entendimento da estrutura atómica e das propriedades dos elementos radioactivos. O seu trabalho teve um impacto significativo no desenvolvimento da medicina nuclear, usada para diagnóstico e tratamento de doenças como o cancro. Durante a Primeira Guerra Mundial, ela criou e conduziu unidades móveis de máquinas de raios-X para diagnosticar soldados feridos no campo de batalha, chamados 'pequenos Curies'. Ela mesma treinou 150 mulheres para conduzirem os veículos que salvaram a vida de inúmeros soldados.

O legado de Marie Curie estende-se para além das suas conquistas científicas: ela foi a primeira mulher a dar aulas de Física na Universidade de Sorbonne, partilhando o seu espírito visionário e a sua dedicação à busca pelo conhecimento com as gerações futuras (incluindo as suas filhas) e inspirando pessoas em todo o mundo.

Em 1914, foi inaugurado o Instituto do Rádio, mais tarde designado Instituto Curie, sob direcção de Marie Curie, constituído por um laboratório de estudos sobre a radioactividade, estudando as aplicações do rádio na biologia e na medicina. A sua filha mais velha Irène Joliot-Curie estudou nessa instituição e, juntamente com Frédéric Joliot-Curie, Irène ganharam o Nobel de Química em 1935 pela descoberta da radioatividade artificial.


Marie Curie faleceu em 1934 devido à exposição à radiação, mas seu o legado perdura até aos nossos tempo. A sua determinação, coragem e genialidade inspiraram gerações de cientistas a seguir seus passos e desafiar os limites do conhecimento humano. Marie Curie permanece um ícone de dedicação à ciência e uma prova viva de que o género não é um obstáculo para o sucesso na eterna busca pelo conhecimento. 

1 de novembro de 2015

"Man is in the Forest"

O jovem Walter


A minha infância foi preenchida com a magia dos filmes de Walt Disney. Milhões de crianças tiveram experiências semelhantes ao longo das décadas, suponho. Admiro-lhe a arte e o engenho. No entanto, nunca tinha lido uma biografia do homem que mudou a paisagem da cultura popular Norte-americana.


Esta biografia, escrita meticulosamente por Neal Gabler, relata e comenta a vida de Walter Elias Disney, ou simplesmente, Walt, como ele insistia que os seus colaboradores o tratassem. É uma biografia honesta que navega pelos triunfos e fracassos do homem, sem nunca se esquivar ao lado mais constrangedor, ao lado mais obscuro do magnata de Hollywood.


Com mais de 800 páginas (200 de notas biográficas) não é para leigos curiosos, mas sim para os aficionados de um dos maiores génios criativos do séc. XX. Gabler descreve a infância feliz passada em Marceline, no estado do Missouri. A família Disney passou cinco anos em Marceline, onde o pai tinha uma pequena quinta.  


Walt entregou jornais em Chicago, mentiu sobre a sua idade para poder conduzir uma ambulância da Cruz Vermelha na Primeira Guerra Mundial e atirou-se de cabeça no seu sonho.



Disney, o empreendedor


Disney sempre sentira um entusiasmo pela indústria da animação. Os seus primeiros projectos levam-no à Califórnia, onde criou a sua primeira personagem, Oswald, the Lucky Rabbit. Essa foi também a sua primeira derrota, mas desse desaire nasceu a personagem que hoje o mundo conhece e adora – Mickey Mouse.


O imortal rato, baptizado pela mulher de Walt, e a quem ele próprio deu voz no grande ecrã, tornou-o famoso com o filme Steamboat Willie. No início da Grande Depressão, um dos períodos mais negros da história dos Estados Unidos, o ratinho animado enriqueceu o seu criador e deu trabalho estável a centenas de trabalhadores. Desde então, Walt Disney não parou de produzir filmes animados.



Walt e o irmão Roy

É fascinante conhecer o homem imaginativo e inspirado,  que conduziu os seus animadores por essa aventura inaudita de produzir a primeira película animada a conquistar o coração do público e o respeito dos críticos – Branca de Neve e os Sete Anões.

Disney era um perfeccionista para quem era bastante difícil de trabalhar e não tinha o costume de partilhar o palco com os seus colaboradores. Alguns dos seus empregados sentiam-se traídos pelo patrão, que não lhes dava o crédito devido nas obras em que tanto tinham trabalhado. Outros havia que tinham uma lealdade canina a Walt Disney, que lhes proporcionava todas as condições que eles desejavam para desenvolver as suas ideias, ainda que com as respeitosas distâncias. Um dos artistas conta que, quando o patrão estava no corredor, dava uma sonora tossidela e alguém gritava a famosa fala do Bambi: “O homem está na floresta”, que significava perigo iminente. 

O perfeccionista em acção


A lealdade dos seus trabalhadores foi severamente testada na infame greve de 1941, que ficou conhecida como a guerra civil da animação. Muitos artistas abandonaram o homem que consideravam injusto para com eles e com o seu trabalho. Tudo isto, numa altura em que o estúdio estava enterrado em dívidas.

Como sempre fizera, Walt Disney ignorou os seus opositores e acabou por dar a volta por cima... Apesar do sucesso de filmes como Dumbo e Cinderela, o estúdio nunca mais foi o mesmo... Walt Disney também não.


Neal Gabler não doura a pílula em relação aos dois lados de Walt Disney. Vemos claramente que o homem que inspirava os seus animadores com a sua inesgotável imaginação, engenho e perseverança; que tirava deles os melhores desenhos; que procurava constantemente melhorar os seus projectos – algo que chamava de “plusing” e que não aceitava nada menos do que a perfeição por parte de todos os seus colaboradores era o mesmo homem que tinha dificuldade em aceitar outro ponto de vista que não o seu; era paranóico em relação a comunistas e a possíveis traições por parte dos seus trabalhadores; e que tentava viver as suas fantasias contra tudo e contra todos, enlouquecendo os seus credores.

Uma dessas fantasias era a Disneylândia e o projecto da cidade futurista na Florida. De facto, após a greve de 1941, o empreendedor perdeu muito do seu entusiasmo pelos filmes animados e decidiu criar outra empresa – a WED (acrónimo do seu nome) para criar um parque temático que iria revolucionar o conceito de parques temáticos nos Estados Unidos. A WED representava um regresso às origens para Disney – uma empresa feita por poucos associados – como nos tempos em que ele e um punhado de animadores criavam as animações do rato Mickey.


Esta biografia tem inúmeras notas interessantes, e é um bom exemplo de como escrever uma biografia sem endeusar ou demonizar o homem, explorando todas as facetas da sua vida.


Disney, inspirando os seus animadores

O livro encontra-se disponível na WOOK com o título Walt Disney: The Biography





Também pode ser encontrado na Amazon, com um título ligeiramente diferente: Walt Disney: The Triumph of the American Imagination.


18 de outubro de 2013

Assalto Amigável


As suas conferências no Nevada estavam destinadas a ser um enorme sucesso. As pessoas viam-no como propriedade sua e, em Carson e Virgínia, os espectáculos estavam sempre esgotados. Especialmente em Virgínia, os seus amigos insistiram e pediram-lhe para repetir o espectáculo, mas ele negou-se terminantemente.

“Eu ainda só tenho uma conferência,” disse ele. “Não posso dá-la duas vezes na mesma cidade.”

Mas Steve Gillis, aquele diabinho irresponsável, que tinha ido a Virgínia novamente, concebeu um plano que tornaria necessário que ele desse outra conferência, e até lhe deu um tema. O plano de Steve era muito simples: aliviar o conferencista dos seus fundos por meio de um assalto de estrada amigável e dar-lhe o tópico da sua conferência seguinte.

Em Roughing It, Mark Twain relata uma versão correcta deste assalto fingido, embora lhe faltem alguns detalhes. Apenas uns anos antes (estávamos em Abril de 1907), na sua cabana em Jackass Hill, na companhia de Joseph Goodman e do seu biógrafo, Steve Gillis fez a sua confissão no seu “leito de morte” como aqui se lê:

“A conferência de Mark Twain teve lugar no teatro lírico Piper, em 30 de Outubro de 1866. Os habitantes de Virginia City já tinham ouvido muitas conferências antes, mas esses tinham sido meros espectáculos menores, comparados com as de Mark. ele poderia ter casas de espectáculos lotadas durante uma semana. Implorámos-lhes que desse outra oportunidade àquelas pessoas, mas ele recusou-se a repetir e sua conferência. Ele dirigia-se para Carson e voltaria para dar uma conferência em Gold Hill, cerca de uma semana depois; eu e o seu agente, Denis McCarthy, formulámos um plano para que ele fosse assaltado na fronteira entre Gold Hill e Virgínia, após a conferência de Gold Hill, quando ele e Denis trouxessem o dinheiro.” A fronteira era um bom local solitário e era famoso pelos seus assaltos. Tínhamos connosco o marechal da cidade, George Birdsall, e conseguimos que Leslie Blackburn, Pat Holland, Jimmy Eddington, e mais um ou dois velhos amigos do Sam se juntassem a nós. Todos nós o adorávamos e sempre o apoiaríamos. Este era o tipo de amigos que Mark tinha no Nevada. Se ele tinha inimigos, nunca ouvi falar deles.”

“Não dissemos nada ao Dan de Quille, ou ao Joe, porque o Sam era convidado do Joe, e nós temíamos que ele lhe dissesse alguma coisa. Não dissemos nada ao Dan porque queríamos que ele relatasse um assalto genuíno e fizesse uma grande sensação. Algo que iria lotar um teatro lírico por dois dólares por bilhete para ouvir o Mark contar essa história.”

“Tudo correu muito bem. Quando o Mark estava a terminar a sua conferência em Gold Hill, os ladrões foram esperar para a fronteira, mas o público de Mark fez-lhe uma recepção após a sua conferência e nós quase morremos congelados à espera que ele chegasse. Por fim, eu voltei para ver o que se passava. Sam e Denis vinham a chegar, carregando um saco meio cheio de prata. Eu segui-os sem ser visto e soprei um apito de um polícia, para assinalar aos rapazes quando os conferencistas estivessem a aproximar-se do local combinado. Ouvi o Sam dizer ao Denis:”

‘Estou feliz por haver um polícia na fronteira. No meu tempo, não havia um.’
“Por essa altura, os rapazes (todos com máscaras pretas e dólares de prata na língua para lhes disfarçar as vozes) apareceram, dispararam seis tiros para o ar e disseram ao Sam e ao Denis para colocarem as mãos no ar. Os ladrões chamavam-se uns aos outros por ‘Beauregard’ e ‘Stonewall Jackson’. Obviamente, Denis e Mark puseram as mãos no ar, embora o Mark não estivesse nem um pouco ansioso ou assustado. Ele falou com os assaltantes no seu tom de sempre. Disse-lhes:”

‘Não façam movimentos bruscos com essas pistolas. Elas podem disparar acidentalmente.’

“Disseram-lhe para entregar o relógio e o dinheiro, mas quando ele baixou as mãos, ordenaram-lhe que as colocasse novamente no ar. Ele perguntou-lhes como é que eles queriam que ele lhes desse os seus valores se ele tinha as mãos no ar. Ele disse que seus tesouros não estavam no céu. Pediu-lhes para não lhe levarem o relógio, que lhe fora oferecido por Sandy Baldwin e Theodore Winters aquando o seu posto de Governador da Terceira Câmara, mas nós levámo-lo na mesma.”

“Sempre que ele começava a baixar as mãos, nós obrigávamo-lo a levantá-las novamente. Até que ele disse:”

‘Não sejam tão violentos. Eu fui educado com carinho.’

“Depois, dissemos-lhe e ao Denis para manterem as suas mãos no ar durante quinze minutos depois de nos irmos embora – para nos dar tempo de voltar para Virginia e estabelecermo-nos quando eles regressassem. Quando nos afastámos, Mark chamou-nos:”

‘Ouçam lá, esqueceram-se de uma coisa.’

‘Do quê?’

‘Do saco, ora essa.’

“Ele esteve sempre calmo. Na sua auto-biografia, o senador Bill Stewart conta uma grande história do quão assustado Mark estava e de como fugiu, mas Stewart estava a três mil milhas de Virginia nessa altura e, mais tarde, ficou chateado com Mark porque este fez uma piada sobre ele em Roughing It”.

“Denis quis baixar logo as mãos, após eles se terem ido embora, mas Mark disse:”

“‘Não, Denis, eu estou habituado a obedecer a ordens quando são dadas de uma forma tão convincente; manteremos as mãos no ar por mais quinze minutos por precaução.’”

“Quando o Mark e o Denis chegaram, nós estávamos à sua espera num grande Saloon, situado na C Street. Sabíamos que eles viriam, e contávamos com um Mark  agitado, mas ele estava tão imperturbável como um lago no meio de uma montanha. Disse-nos que tinha sido vítima de um assalto e perguntou-me se eu tinha algum dinheiro. Dei-lhe cem dólares do seu próprio dinheiro e ele ofereceu bebidas a todos. De seguida, mudámo-nos para o escritório do Enterprise, onde ele ofereceu uma recompensa e Dan de Quille escreveu a notícia e a telegrafou para outros jornais. Foi então que alguém sugeriu que Mark teria que dar outra palestra, e que o assalto daria um excelente tema. Ele concordou de imediato, e no dia seguinte, contratámos o Teatro Lírico Piper, e as pessoas estavam dispostas a pagar cinco dólares cada para os bancos da primeira fila. Seria o maior acontecimento de sempre da Virgínia, se tivesse de facto ocorrido. Mas, depois, cometemos o erro de contar a nossa brincadeira ao Sandy Baldwin. Também contámos ao Joe – demos-lhe o relógio e o dinheiro para ele guardar, o que tornou tudo mais difícil para ele depois – mas foi o Sandy Baldwin que nos levou à desgraça. Mark havia jantado com ele na noite anterior ao espectáculo, e depois de estar bem ‘quente’ do champanhe, ele achou que seria boa ideia contar ao Mark o que se estava realmente a passar.”

“O Mark não partilhou da nossa opinião. Ele ficou furioso.”

Nessa altura, o Joseph Goodman disse:

“‘Aqueles velhacos colocaram o dinheiro, o relógio, as chaves, os lápis e todos os pertences do Sam nas minhas mãos. Senti-me particularmente mal por ter sido feito cúmplice do crime, especialmente porque o Sam era meu convidado, e eu tinha sérias dúvidas acerca da sua reacção quando ele descobrisse que o assalto não era genuíno.’”

“Senti-me terrivelmente culpado quando ele disse:”

“Joe, aqueles ca— dos ladrões levaram-me as chaves e eu não consigo abrir a minha arca. Achas que podias arranjar-me uma chave que caiba na minha arca?”

“Respondi-lhe que poderia fazê-lo durante o dia e, depois do Sam se retirar, eu peguei na sua chave e queimei-a, para que ficasse negra. Depois, peguei numa lima e limei a chave, para fazer com que parecesse que eu tinha experimentado a chave na fechadura, com uma culpa constante, como um homem que tenta esconder um homicídio. O Sam não pediu a chave nesse dia e, nessa noite, ele foi convidado pelo juiz Baldwin para jantar. Pensei que ele estava muito silencioso e muito solene quando regressou, mas disse apenas:”

“Vamos jogar às cartas, Joe; não tenho sono.”

“O Steve e dois ou três outros rapazes (que tinham participado no assalto) estavam presentes, e não gostaram dos modos do Sam; portanto, desculparam-se e deixaram-no a sós comigo. Jogámos durante um bom tempo; depois, ele disse:”

“‘Joe, estas cartas estão gordurosas. Tenho um baralho novo na minha arca. Arranjaste-me a chave que te pedi?’”

“Saquei da chave queimada e riscada, cheio de medo e a tremer, mas ele não pareceu notar e regressámos ao jogo de cartas. Jogámos continuamente até à uma ou duas horas – o Sam sempre calado e eu a perguntar-me o que iria acontecer. Com o passar do tempo, ele pousou as cartas, fitou-me e disse:”

“‘Joe, o Sandy Baldwin contou-me acerca do assalto esta noite. Sabes, Joe, descobri que a lei não reconhece uma chalaça e vou enviar aqueles tipos para a penitenciária.’
“Ele proferiu aquelas palavras com uma seriedade de tal modo solene, e com tal desejo de vingança, que eu acreditei que ele falava muito a sério.”

“Eu sei que trabalhei arduamente durante duas horas, tentando convencê-lo a desistir da sua decisão. Usei todos os argumentos sobre os rapazes serem os seus amigos mais antigos; como todos eles o adoravam e de como a partida fora só para o seu próprio bem; implorei-lhe que reconsiderasse; devolvi-lhe o dinheiro e o relógio e coloquei-os em cima da mesa mas, durante algum tempo, tudo parecia perdido. Eu imaginava os rapazes atrás das grades e a sensação que isso faria na Califórnia. Quando eu estava prestes a desistir, ele disse:

“‘Bem, Joe, por esta, deixo passar; eu perdoo-os novamente; já os perdoei tantas vezes, mas se eu pudesse salvar o Denis McCarthy e o Steve Gillis da forca amanhã, não o faria!’

“Na manhã seguinte, ele cancelou a conferência e regressou à Califórnia um dia depois, pelo caminho do lago Donner. Os rapazes vieram despedir-se dele timidamente, mas ele não cedeu.” Quando eles se apresentaram como Beauregard, Stonewall Jackson, etc, ele disse apenas:

“‘Sim, e um dia, estarão todos atrás das grades. Tem havido muitos assaltos por aqui ultimamente e é muito claro quem são os culpados.’ Eles entregaram-lhe um embrulho com as máscaras que os assaltantes tinham usado. Ele aceitou-o num silêncio sombrio; quando a carruagem se afastou, ele pôs a cabeça fora da janela e, depois de muitas advertências, esboçou o seu velho sorriso e gritou-lhes: ‘Adeus, amigos, adeus, ladrões; não vos quero mal algum.’ Depois de tudo, a maior partida foi para com os seus algozes.”



* Traduzido de: Mark Twain: A Biography The Personal and Literary Life of Samuel Langhorne Clemens da autoria de Albert Bigelow Paine

6 de maio de 2013

Shine On You Crazy Diamond!

Demorei muito a escrever este post, porque fiquei de olhos colados ao ecrã da televisão durante muito tempo. Depois do campeonato, revi com igual fascínio finais de campeonatos anteriores... e a escrita foi ficando adiada.



Ronald Antonio, aka "Ronnie" O'Sullivan, aka 'the Rocket' foi campeão mundial pela quinta vez – e segunda consecutiva.






Naquela que foi (talvez) a sua última vitória num campeonato do mundo de Snooker, Ronnie O'Sullivan confessou-se desejoso por uma vida mais calma, longe das luzes da ribalta.




Um jogador ambidextro, de raciocínio veloz e com o fogo nos dedos (por isso a alcunha de 'Rocket') e cujos pares já o julgavam um génio do desporto nos seus tenros 14 anos, Ronnie O'Sullivan competiu e venceu grandes jogadores do Snooker como John Higgins, Stephen Hendry, Jimmy White, Mark J. Williams, Ken Doherty, Steve Davis (o seu ídolo), Graeme Dott, Ian McCulloch, Matthew Stevens, Ding Junhui, Barry Hawkins, Stephen Maguire, Allister Carter, Dave Harold, Mark Selby, Shaun Murphy, Joe Perry, etc. Profissional desde 1992, é o jogador a ganhar um UK Championship mais novo – tinha apenas 17 anos. Recordista da tacada máxima de 147 pontos em apenas cinco minutos e vinte segundos.

Podia continuar, mas não vale a pena. Quem quiser ver as estatísticas do 'Rocket', pode vê-las aqui.



Mais que um jogador de Snooker, Ronnie O'Sullivan é um 'compositor', um artista que eleva o desporto do Snooker a um nível transcendente, a uma excelência sem par.



Não sei se o que mais encanta o público e os seus fãs é o seu brilhantismo puro na mesa ou se é o facto de ser um jovem que luta contra os seus demónios pessoais, que de vez em quando perde e de vez em quando ganha. Quando ganha, quando está no seu melhor, transforma o Snooker num acto de encantamento, quase como se fosse um truque de magia. Ele é um génio perfeccionista, não há dúvidas disso e esse seu génio já lhe trouxe tantas alegrias como tristezas. A sua relação de amor/ódio com o desporto já o fez pensar em desistir algumas vezes. 

Após 10 meses sem competir, voltou a esse teatro dos sonhos que é o Crucible Theater para vencer o seu quinto campeonato do mundo.




Shine On, Rocket!

Espero que não tenha sido este o seu último triunfo... Já tenho saudades dele!

Mas, se foi... só desejo que seja feliz!

23 de novembro de 2012

A visão de um homem


    
Charles Howard ao volante do seu Buick.


     Os primeiros automóveis importados para São Francisco tinham tão pouca potência que raramente conseguiam subir as colinas. A inclinação da 19 Avenida era tão intimidante para os motores daquela época, que se tornou um passatempo local ver os automóveis a esforçarem-se por subir até ao topo. A estrutura delicada do automóvel e a sua pusilanimidade geral tornou-se uma fonte de escárnio. Uma caricatura da época mostrava um casal abastado, de pé, numa estrada, ao lado do seu querido veículo defunto. A legenda dizia "Ricos Ociosos". Os habitantes de São Francisco viram no automóvel um incómodo urbano e Charles Howard viu uma oportunidade. As oficinas de automóveis ainda não tinham sido criadas – e nem teria feito sentido, pois ninguém era insensato ao ponto de comprar um automóvel. Os proprietários não tinham onde ir quando os seus carros se avariavam. Um mecânico de bicicletas era o que de mais parecido com um mecânico de automóveis havia por perto e a oficina de Howard ficava convenientemente perto dos bairros dos ricos proprietários de automóveis. Pouco tempo depois de Howard chegar à cidade, os proprietários dos automóveis começaram a aparecer na sua oficina.
     Howard tinha um fraquinho por causas perdidas. Ele aceitava o desafio, remexia nos carros e descobria uma maneira de consertá-los. Não demorou muito até que ele começasse a assistir em corridas de automóveis primitivas, realizadas fora das cidades. Pouco tempo depois, ele participava nelas. A primeira corrida americana, com lugar em Evanston, Illinois, fora realizada apenas oito anos antes, com o carro vencedor cortando o vento à velocidade média vertiginosa de sete milhas e meia por hora. Em 1903, a potência automotora tinha melhorado muito – um carro fez uma média de 65,3 km/h numa corrida transeuropeia nessa temporada – o que tornava as corridas um bom espectáculo.  E taxas astronómicas de acidentes. A corrida europeia, por exemplo, transformou-se num derramamento de sangue de proporções tais que foi interrompida devido a “demasiadas mortes”. Howard começou a ver estas engenhocas como instrumentos da sua ambição. Audacioso, ele foi para Detroit e conseguiu ter uma reunião com Will Durant, chefe de “Buick Automobiles” e futuro fundador da “General Motors”. Howard disse a Durant que queria fazer parte da indústria, mesmo que ela não estivesse na sua melhor forma. Durant gostou do que viu e contratou-o para abrir concessionárias e recrutar revendedores. Howard regressou a São Francisco, inaugurou a Pioneer Motor Company em nome da Buick e contratou um cidadão local como gerente. Mas, durante uma visita de rotina, ele ficou desanimado ao descobrir que o gerente estava a concentrar os seus esforços em vender os importantes Thomas Flyers, em vez dos Buick. Howard voltou a Detroit e disse Durant que podia melhorar. Durant ficou convencido.  Howard regressou como responsável pela concessão dos Buick para São Francisco inteira. Corria o ano de 1905 e ele tinha apenas 28 anos de idade. 
    Howard regressou a San Francisco de comboio com três Buicks. Segundo alguns relatos, ele alojou os seus automóveis na sua antiga oficina, na Van Ness Avenue, antes de se mudar para um apartamento modesto em Golden Gate Avenue, a meio quarteirão da Van Ness. Ele trouxe a Fannie May para se juntar a ele. Com duas bocas para alimentar, e mais duas que se seguiriam, Fannie May deve ter ficado alarmada com a escolha de carreira do marido. Dois anos pouco tinham feito para apaziguar a hostilidade dos são franciscanos em relação aos automóveis. Howard não conseguiu vender um único carro. 
     
    Às 05:12 da manhã de 18 de abril de 1906, o solo sob São Francisco estremeceu numa convulsão titânica de magnitude 7,8. Em apenas 60 segundos, a cidade estremeceu até às fundações. Incêndios originaram entre os prédios em ruínas, que convergiram e se dirigiram até à concessionária de Howard, queimando quatro quarteirões por hora. Sem sistema de canalizações e sem sistema de esgotos, os incêndios avançaram sem ninguém para os travar. Os cavalos que puxavam as carruagens corriam pelas ruas, em pânico, partiam as pernas nos escombros e caíam, exaustos. A cidade puxada por cavalos precisava desesperadamente de veículos para os bombeiros e para socorrer os feridos, os 3.000 mortos e os 225.000 desalojados para longe do fogo. Os cidadãos em fuga ofereciam milhares de dólares por cavalos, mas não havia animais que lhes valessem. As pessoas improvisavam macas a partir de carrinhos de bebé e de troncos de árvore pregados a patins, puxando-os elas mesmas. Havia apenas uma opção de transporte. “De repente, apercebemo-nos que São Francisco era verdadeiramente uma cidade de distâncias magníficas”, escreveu uma testemunha. “Era chegada a hora dos automóveis conquistarem a cidade.” 
     Charles Howard, dono de três automóveis, (outrora impossíveis de vender) era agora o homem mais rico da cidade. Ele salvou os seus carros das chamas e transformou-os em ambulâncias. Segundo um relato, o próprio Howard serviu de motorista, conduzindo a grande velocidade até às ruínas para recolher as pessoas sem recursos e as levar rapidamente até aos navios de salvamento na baía.

Excerto do livro Seabiscuit – An American Legend de Laura Hillenbrand