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25 de abril de 2024

Vamos celebrar?



Abril cumpriu-se? O que é que se celebra no dia 25 de Abril?

Não se tratam de perguntas retóricas, mas de uma dúvida existencial. Na escola, ensinaram-nos que no dia 25 de Abril de 1974 passámos da ditadura à democracia... Mas os manuais escolares mais parecem livros de contos de fadas do que uma documentação fiel dos acontecimentos ocorridos na década de 70. Quem estuda História sabe que há acontecimentos que estão ausentes dos manuais, inclusive o facto de que após o dia 25 de Abril de 1974, Portugal caiu num caos político.

O que é que se celebra quando se fala do "dia da liberdade"? O que é que os capitães nos deram, afinal?

As portas que Abril abriu foram escancaradas por um grupo de militares que deram um pontapé nas metafóricas portas e disse que o país tinha que mudar. O Movimento das Forças Armadas prometeu os três Ds: democratizar, descolonizar e desenvolver. Ora: colónias já não temos; desenvolvimento é quase nulo... e quanto à democracia? 

Uma notícia da SIC Notícias diz: "Cinquenta anos depois do 25 de Abril, um terço dos portugueses prefere um líder forte, sem preocupação com eleições ou parlamento, 36% acham que falar em anti-fascismo é uma coisa ultrapassada e 23% consideram que Portugal voltaria a ser grande se retomasse os ideais de Salazar."

Numa notícia da Forbes, lê-se que "Portugal mantém uma posição idêntica no Índice de Perceção da Corrupção mundial, 61 pontos contra 62 no ano passado, mas está abaixo da média da região Europa."

No ano em que Portugal celebra 50 anos a viver em democracia, quando já se vive há mais tempo no novo regime do que no regime do Estado Novo, estas notícias continuam a fazer manchetes e a abrir telejornais, mas o poder político nada faz para fazer cumprir as promessas de Abril. Afinal, o que haverá para celebrar com um país tão débil?

No dia em que a palavra de ordem é 'liberdade sempre, fascismo nunca mais' (mantra popular), o panorama político e social português continua a ser marcado por enormes desafios que levantam a questão: o que é que estamos a celebrar no dia 25 de Abril?

Alguém ainda duvida que a democracia portuguesa enfrenta sérios desafios? Basta saber o que fizeram ao capitão Salgueiro Maia após o acto heróico que protagonizou naquele fatídico 25 de Abril para perceber como a democracia começou a ser pervertida. É perverso que, após a colossal operação do 25 de Abril, tenha havido um período de um ano e sete meses de intenso caos político que quase mergulhou Portugal numa guerra civil, ou pior, numa ditadura comunista. É perverso que o 'arquitecto' do 25 de Abril (um golpe sem sangue) tenha acabado nas FP-25, com sangue nas mãos. É perverso que o maior herói da nação em 1974, o capitão Salgueiro Maia, tenha sido tratado como lixo, enquanto o homem que fugiu para a França acabou como o rosto da democracia no país - aquele que foi responsável por duas falências financeiras e pela vinda do FMI e a perda de soberania financeira. 

O General Ramalho Eanes e o Capitão Salgueiro Maia são inigualáveis. Portugal deveria estar cheio de pessoas como eles dentro da Assembleia da República, mas não está, e é por isso que estamos onde estamos hoje.

A maioria das pessoas quer ver o copo meio cheio e pensa na melhoria do sistema educativo, na melhoria do sistema de saúde, no facto de as pessoas terem liberdade de expressão, no facto de as pessoas poderem votar livremente, para concluirem que a democracia está viva e de boa saúde. Será a isso que as pessoas se apegam quando comemoram o 25 de Abril? 

Tudo isto é verdadeiro em muitos aspectos; a sociedade está muito melhor agora do que estava em 24 de Abril de 1974. Mas os capitães de Abril prometeram-nos muito mais e, em pleno ano de 2024, Portugal está muito atrás de outros países que consideramos civilizados. Será esta conclusão olhar para o copo meio vazio...? Talvez, mas não consigo pensar de forma diferente. Seria o equivalente a enfiar a cabeça na areia e fingir que coisas terríveis não estão a acontecer neste país.

Não posso ignorar o facto de que a justiça é injusta para os pobres, a educação pública é uma farsa e uma vergonha nacional, o SNS permite que mulheres grávidas morram à porta dos hospitais e que haja listas de espera de anos e que não permite que os doentes tenham tratamento em tempo útil, e a corrupção é a norma em vez de ser a excepção. 

Aprende-se muito de corrupção em Portugal com as explicações do professor Paulo MoraisA desconfiança generalizada nas instituições democráticas e o desencanto com a classe política são evidentes em muitos setores da sociedade. A corrupção é um dos principais problemas que minam a confiança dos cidadãos no sistema democrático. Escândalos de corrupção que envolvem figuras políticas e empresariais têm abalado a credibilidade das instituições e alimentado um sentimento de injustiça e impunidade entre os cidadãos.

A corrupção rouba o dinheiro arduamente ganho pelos contribuintes e sufoca a capacidade do país de ter um desenvolvimento pleno. Os países do leste da Europa já são mais ricos do que nós, mas basta olhar para Espanha para saber o verdadeiro preço que pagamos pela corrupção. A Espanha passou por uma guerra civil brutal e décadas de ditadura, mas no minuto em que se libertaram o país obteve um desenvolvimento significativo. Ao contrário de Portugal! Ainda somos pobres, os mais pobres da Europa, e isso devemos à corrupção política.

As pessoas que se congratulam por poderem votar ignoram o facto de que, apesar de terem uma voz, os seus desejos nunca são atendidos, porque o poder político só atende certa 'clientela'. Quem tiver muito dinheiro pode influenciar eleições. Os cidadãos que expressam a sua voz através do voto apenas contribuem uma pequena esmola para o sistema corrupto que está lenta mas seguramente a destruir o país. Certamente, não era esta a realidade que os capitães de Abril queriam quando se arriscaram naquela madrugada de 25 de Abril.

50 anos depois, o que temos para comemorar?! A sociedade nunca esteve tão dividida como agora; a radicalização tanto da esquerda como da direita é aterrorizante. É uma radicalização que ocorre em todos os níveis da sociedade: a nível político, a nível cultural e a nível civil. A humilhação em praça pública de opiniões contrárias tem-se vindo a agravar. O surgimento de discursos de ódio, a polarização política e a intolerância à divergência de opiniões têm contribuído para um clima de hostilidade crescente. O debate público saudável, essencial para o funcionamento de uma democracia saudável, tem sido repetidamente substituído pela demonização do "outro" e pela desqualificação das vozes dissidentes.

Se tal não fosse, não estaríamos a ver pessoas a serem silenciadas nos campi universitários, não estaríamos a ver actos de vandalismo contra monumentos culturais da história portuguesa que passam impunes, não estaríamos a ver aqueles movimentos histéricos contra os livros publicados. Sim, falo do incidente da semana passada. Também não estaríamos a ver a asfixia da opinião pública em muitos temas. Mesmo em democracia ainda há assuntos tabu. É no mínimo bizarro que não possa haver no país um debate aberto e informado sobre os acontecimentos do dia 25 de Novembro de 1975 e se essa é ou não uma data que vale a pena comemorar... 

É verdadeiramente perverso tentarem transformar o Mário Soares numa espécie de fascista, quando ele esteve directamente envolvido no momento que finalmente colocou Portugal de volta no rumo da Democracia e salvou o país da Guerra Civil. Em que tipo de realidade alternativa vivem estes extremistas de esquerda?! Um dos partidos fundadores da democracia neste país vive hoje envergonhado pela sua história e está disposto a reescrevê-la para vergar a espinha aos extremistas. Irónico, não é?


Ainda no outro dia, o general António Ramalho Eanes, coordenador da operação militar que libertou Portugal do risco de uma Guerra Civil / ditadura comunista, sente-se estupefacto pelo facto de não se assinalar tão importante data para a História de Portugal.

Pensamos que vivemos numa democracia. Queremos acreditar que sim, mas a democracia é bem mais tolerante com as opiniões e ações divergentes do que o regime em que vivemos hoje. Queremos acreditar que a democracia é um regime institucional sólido e indestrutível. Nada poderia estar mais longe da verdade. A democracia é tão frágil quanto as asas de uma borboleta. Basta ver o que aconteceu durante os anos da pandemia. Desde 2020, Portugal mergulhou no caos sanitário e financeiro e desapareceu qualquer equilíbrio entre a proteção da saúde pública e a preservação das liberdades individuais, sem que houvesse qualquer base científica. Os sucessivos estados de emergência foram muito duvidosos do ponto de vista constitucional. Toda e qualquer resistência: aos confinamentos, às máscaras às vacinas ao passaporte sanitário, à aplicação Stayaway Covid foram silenciados, ou pior, ridicularizados em praça pública pelo governo e pelos media. Na televisão e na rádio apenas uma opinião era válida. Todas as outras foram considerados 'chalupas', 'negacionistas' e 'terraplanistas'. A liberdade de expressão e o respeito pela diversidade de opiniões esfumou-se. Somente o conformismo social era permitido. A polícia aplicou coimas elevadas a quem foi apanhado a não cumprir as regras de confinamento (de distanciamento social e uso da máscara em espaços públicos). Os media foram transformados numa grande máquina de propaganda que, em vez dos dois minutos de ódio em Mil novecentos e oitenta e quatro, nos deu noticiários 24 horas por dia, 7 dias por semana, do medo. Muitos cidadãos viviam apavorados e não saíam de casa durante esses dias. O Estado destruiu a economia e os serviços públicos e invadiu a vida privada dos cidadãos como não se via há muitas décadas, sob o pretexto de 'fazemos isto para vosso bem'.

É verdadeiramente perverso que o partido responsável por garantir a democracia nos seus primeiros passos acabasse por ser o mesmo iria suprimir da liberdades, direitos e garantias que havíamos conquistado. Uma emergência sanitária é uma desculpa esfarrapada para atropelar tão violentamente uma  jovem democracia. A emergência sanitária foi, sem dúvida, uma situação extraordinária que exigia respostas rápidas e eficazes por parte do governo. No entanto, era imperioso que essas respostas fossem proporcionais, transparentes e respeitassem os princípios democráticos. 

Não houve visão mais sombria do que as imagens de cidade após cidade cheias de portugueses cantando 'Grândola' às janelas, trancados em casa, agitando os seus cravos vermelhos. A única coisa pior do que isto foi ver cidadãos comuns denunciando os seus vizinhos às autoridades porque alguém estava numa festa durante o confinamento.

A geração mais bem preparada de sempre aceitou tudo isto sem questionar (a dissidência foi mínima). Como foi isto possível? Não aprendemos nada após 48 anos de ditadura? Como poderíamos permitir que o Estado destituísse os nossos direitos fundamentais novamente?! 

A este respeito, seria útil perguntar como foi possível a ditadura de Salazar. Uma resposta relativamente simples: quando um país se afoga no caos político e na instabilidade financeira torna-se fácil para qualquer pessoa com conhecimentos de finanças resolver a situação. Quando um país tem as suas finanças sob controlo e a vida das pessoas melhora significativamente, elas olharão para o ministro das Finanças como o seu salvador e então foi-lhes fácil renunciarem às suas liberdades em favor da estabilidade e da prosperidade. Foi isso que aconteceu há mais de 90 anos.

Em 2020-2021, o caso foi bem diferente: o povo português renunciou a direitos, liberdades e garantias porque estava apavorado pelo vírus e foi o medo permitiu que o Estado assumisse o controlo de suas vidas. O povo preferiu a segurança à liberdade. Há uma lição amarga, mas necessária nestes acontecimentos, mas não podemos falar sobre isso...

Seria crucial enfrentar estas questões de frente e aprender com os erros do passado para garantir que os direitos e liberdades individuais sejam protegidos no futuro. O diálogo aberto e a reflexão crítica são fundamentais para fortalecer a democracia e evitar o retorno a regimes autoritários, mas no 25 de Abril de 2024, viram-se os rituais do costume. O dia da liberdade foi reduzido a um culto com símbolos, músicas e palavras de ordem (fascismo nunca mais). Pergunto-me se quem grita essas palavras tem consciência que Salazar não foi fascista… Pergunto-me se sabem quem foi Francisco Rolão Preto, pergunto-me se sabem o que Salazar lhe fez e a outros da sua laia… Para isso, teriam de aprender História. Há muita História não vem nos manuais escolares porque estes só contam uma pequena parte da realidade. É preciso fazer muita pesquisa para conhecer a história completa. Ninguém tem paciência para isso hoje em dia. Portugal está estagnado e condenado a um atraso. em relação a outros países e basta uma pequena faísca para que a história se repita.

Como disse o sábio Eça de Queiroz um dia: "Em Portugal a emigração não é, como em toda a parte, a transbordação de uma população que sobra; mas a fuga de uma população que sofre." Hoje, como no século passado, Portugal continua a sangrar capital humano porque o país não dá respostas nem condições aos seus cidadãos para prosperar. As palavras de Henrique Medina Carreira também me ecoam no cérebro quando ele disse: "No 25 de Abril havia gente, havia ideias, havia um país e havia uma esperança. Hoje não há gente, não há ideias, não há país e não há esperança."

Henrique Medina Carreira é um dos livres pensadores mais lúcidos e honestos do nosso tempo (vilipendiado como "velho do restelo") que nos avisou para os perigos que o país corria e ainda não falhou em nada do que disse. De modo que, quando vejo os festejos dos 50 anos do 25 de Abril, não consigo perceber a razão de tanta euforia...

Para mim, este dia, há 50 anos atrás, foi um momento de enorme coragem e determinação. É importante lembrar aqueles jovens que lutaram por esses ideais e honrar as suas acções, que provaram que, apesar de todas as adversidades, vale a pena lutar por uma vida melhor e pelo sonho da democracia.

Obrigado por tudo, rapazes!


1 de outubro de 2023

The Mother of All Horror

   
     Japanese have a saying: ‘I would like to taste a swellfish, but I would not like to lose my life.’ That’s the reason people ride on roller coasters. That’s also the reason people read horror stories. They strive for the thrill of danger, those wonderful spine tingling moments, without any lasting negative consequences that would advent from a real near death experience. 

     Chi no Wadachi (血の轍), translated as Blood On The Tracks in English, by the acclaimed Japanese author and illustrator, Shūzō Oshimi, is a manga that elicits those feelings in the readers. The recently completed manga series is comprised of 153 chapters, spanning a six year journey in print on the reputable magazine Big Comic Superior. Even though the magazine is packed to the brim with critically acclaimed authors and famous manga titles, it seems that Blood On The Tracks went by almost unnoticed. I often wonder what the marketing strategy to sell this work was. It’s one thing to let a manga build its own audience in the magazine, but when it starts being compiled into volumes, it needs to rely on the marketing strategy. Publishers capitalized on the fact that Shūzō Oshimi’s hard-won reputation as a masterful storyteller of psychological dramas — having previously created Flowers of Evil, Inside Mari and Happiness — would be enough to garnish him a sympathetic audience for his latest work. Goodwill accumulated over the years is a marketing strategy in and of itself!

     Other than the name, and an early video trailer on YouTube, the marketing strategy for the manga was to keep almost everything under wraps while posts on Twitter dripped cryptic imagery and tag lines designed to elicit readers’ curiosity. I’m not sure this unconventional marketing approach successfully lured in the intended target audience. Then again, I’m not sure who the intended target audience is, but more on that later.

     For now, can I say that I hate the fact that the marketing was predicated on a false premise? If I was tasked with selling this manga, one thing I would never do would be to write a text saying that Seiko Osabe is “an overprotective mother who loves her son very much”. That’s not even an embellishment, it’s an outright lie. The best description I’ve ever seen comes from the NHK Manben documentary, which manages to be truthful, while giving absolutely no secrets away. Promoting the manga as a dark, suspenseful psycho-thriller, while hinting at the disturbing and twisted nature of the story is the best way to sell it. Other than this minor blunder, I can’t fault the publisher’s need to balance intrigue and secrecy to lure in readers, but I question the wisdom of their choice of descriptors… And I fully understand that you cannot tell the truth in the case of Blood On The Tracks. If someone had asked me “hey, I have a great story here about child abuse, do you want to read it?” I would’ve smiled politely, while trying to suppress my urge to vomit and say “no, thank you”.

     I was told about this manga through a different means — a great example of fan marketing — the famous Super Eyepatch Wolf’s YouTube essay. In it, he discusses at length the virtues of horror tales and how Shūzō Oshimi masters the genre. It’s only after 19 minutes that he warns the audience that Blood On The Tracks is a story of a mother “potentially hurting her own child”. But, by the time he drops this information, he already made his point in favor of the manga, and hopefully the audience is sold on it. I know I was. And, ironically enough, that’s exactly how the manga sells itself. Because stories have to speak for themselves at the end of the day. There’s nothing more positively subversive than presenting a seemingly normal story that gradually morphs into tense and unsettling moments, and defies conventional storytelling norms. Readers who picked up Blood On The Tracks were likely expecting a dark and disturbing story, typical for this author, but instead of a straightforward narrative, they were confronted with an intricate web of psychological suspense and moral ambiguity, whirling inside a deeply moving and emotionally complex story.

     So how does Blood On The Tracks present itself? What is the author trying to do, who is his ideal reader, and does he accomplish his goal or not? I must say the way the story unfolds is very subversive, and it challenges our expectations of what a horror story should be. The comment sections for various forums consist of a confusing bunch of people, mostly teenage boys. That can’t be the target audience, right? After all, this manga is published in a magazine for adult males... But too many male readers are too busy ‘choking the bishop’ to a pretty face to pay attention to what’s happening on the pages. The women reading this are deeply worried they’re just like Seiko, or that they’ll turn into Seiko somehow, or they come to the conclusion that they’ll never have children. They can’t be the target audience either, right? There’s only one group of people who can grasp the complex message of this work – abuse victims. And that group splits into two: one subgroup is terrified that this story hits too close to home, is repulsed by the narrative and stays away from it as a means of self-preservation. The other subgroup (from which Oshimi comes from) find the veneer of fiction to be the perfect way to deal with their personal traumas. These folks are attracted to this manga like a moth to a flame. I imagine that’s Oshimi’s target audience, his ideal readers, and that’s the group that keeps telling us (the clueless readers) how accurate this story is in examining the impact of emotional manipulation on the psyche of a young boy. 

     Then again, I’m not sure the author had a specific target audience in mind… maybe that’s just a marketing gimmick to sell books. It’s not a secret to any fan of this author that most of his works are semi-autobiographical. It’s also not a secret (at least since 2014) that he’s had a difficult childhood due to his toxic mother’s malignant influence on him. He told us about that in the afterword of volume 3 of Inside Mari, he mentioned it again in his interview to the Le Monde in 2019, and yet again at the end of volume 14 of Blood On The TracksBelieve it or not, that’s big… Vladimir Nabokov never mentioned his uncle Ruka while he was writing Lolita. Not everyone is willing to be so honest about their work and the inspirations behind it. 

     Shūzō Oshimi never shied away from difficult topics, often exploring them at length. That combination of transparency and personal vulnerability, plus his artistic prowess and his uniqueness in approaching certain topics is what makes him such an incredibly honest and relatable author. But that means that he’s not writing a story in the regular sense. Blood On The Tracks is Oshimi’s equivalent of The Book of Disquiet with Seiichi Osabe being analogous to Bernardo Soares. As dissimilar as both works are, they share a common thread in their exploration of internal thoughts, emotions, and the intricacies of the human psyche from a very subjective but poetic 1st person POV. And both works blur the lines between diary, autobiography, and fiction, creating a unique reading experience. To put it simply, Blood On The Tracks is a grueling task, an anguished howl of pain from an emotionally wounded author, trying to save himself. To anyone picking up this manga in the future, it stands as a testament to Oshimi’s courage as an artist and his ability to use his talent to grapple with the depths of human pain and suffering.

     Art-wise, there’s no disagreement amongst fans. Shūzō Oshimi’s exceptional talent for capturing the intricacies of emotional nuance through facial expressions and body language is undeniable. The use of negative space, minimalist backgrounds and surreal imagery only adds to the claustrophobic atmosphere, emphasizing the isolation and emotional turmoil that Seiichi feels on a daily basis. Readers just can’t turn away from the sensitive, brutal, unapologetic and unadulterated psychological drama. Its subtlety and rawness makes it pure and irresistible (against our best judgment). Even if there is no worse feeling than our sense of helplessness, we cannot turn away from the truth, and we’re compelled to keep turning the page.  

     Many people, however, gave up on this manga as it went along, especially after the first time skip. The early excitement was gone and you didn’t hear many people talking about it after chapter 108... I wonder if Super Eyepatch Wolf is still reading it? Speaking of Super Eyepatch Wolf, back in 2020, in the early days of the manga, so many theories regarding the plot and the characters abounded on the Internet; mostly about the white cat, Fukiishi’s real intent, Seiichi’s mental state, and the reason behind Seiko’s behavior. Many people were ready for the manga to end after chapter 82 — myself included. It would’ve been an excellent place to end the story. Now that the manga is over, I realize I had no idea what the manga was about… See, a lot of people were angry about what Seiichi did to his cousin. I can’t say that I like what happened, but I understand what that batch of chapters was trying to achieve for Seiichi’s character exploration. I agree with everyone about the stupidity of chapter 84; making Shigeru go to his cousin’s house at 4 in the morning was blatantly absurd and indefensible. This is Blood On The Tracks’ capital sin. A writer simply cannot go through great lengths to build the universe where the two cousins live miles apart from each other, show us how Shigeru is practically in a vegetative state with great mobility issues, and then expect the reader to believe that he would walk in the middle of a blizzard to his cousin’s house. The man just shredded the unspoken reader-writer contract right then and there. And he probably did it because he thought he could get away with it, like he had already, years before, in his most well-known work. In The Flowers of Evil, he sacrificed the internal logic of the universe he was establishing, as well as any kind of realism, in order to tell a story that makes it nearly impossible for readers to suspend their disbelief.

     There was a perfect way to fix all of this: he simply had to make Shigeru live in the same street as Seiichi. Problem solved. (It would be equally easy to solve the narrative problems in The Flowers of Evil, but this is not the time nor the place for that.)

     Many people hated what happened in those chapters (84 to 92) not only for the obliteration to the internal logic of the story, but also because of what it did to Seiichi’s character. I can't say I disagree, but I believe the problem runs deeper than this batch of chapters… Blood On The Tracks is divided between the diary portion (in his relationship between his mother and Fukiishi), and the fiction portion (everything else). Unlike Seiichi’s relationship with his mother, and with Fukiishi, his relationship with his cousin, as well as Shigeru’s character are really ill-defined. Supplemental materials from the physical volumes paint a picture of two boys who grew up together almost as brothers, but you never feel it when you are reading the chapters. Shigeru comes off as this know-it-all jerk who enjoys making fun of his cousin and belittling him. Is that the real Shigeru? How does Seiichi feel about him? Shigeru is the closest thing Seiichi has as an older brother… Does he like spending time with him or does he see him simply as a nuisance that he had to put up with?! We don't spend enough time with these kids before the events on chapter 6, so their relationship is very ill-defined. The clues peppered across the manga tell us that Seiichi tolerates his cousin, more than enjoys spending time with him, and he may have thought that Shigeru deserved to be punished for his impertinence. That doesn’t mean he hated his cousin or that he wanted him dead. The person he was trying to destroy was himself. Then, in the physical volume, Shigeru thanks his cousin for his action if that’s the ending he wanted for himself. There’s also that mysterious letter at the end of volume 11 that can be read as a suicide letter… It’s rather strange that, unlike every other supplemental material, this letter never made it into the manga narrative… During these chapters, Oshimi expertly portrays Seiichi, as he grapples with anxiety, paranoia, and a growing sense of detachment from reality, while he vents years of emotional abuse inflicted on him by his mother. It delves deep into the vulnerability of the human mind and the consequences of psychological trauma, how children often justify their parents’ abuse, and feel responsible for it. These chapters left my brain sizzling, and it’s what drove my initial research. Had I been Yasufumi Nakoshi, I would’ve figured it all out on page 11 of the first volume.

     Many readers were as confused as I was, and dropped the manga. To me, the problem with this section was the lack of an established dynamic between Seiichi and his cousin… There’s no obvious payoff from that point of view, because every panel is dedicated to establish Seiichi’s mental breakdown due to his mother’s malignant influence on him. This is the problem with the manga: the part that deals with Seiichi’s connection to Seiko is very well-developed and is examined to the fullest extent, but everything else (his relationship with his cousin, his father and his aunt) kind of falls to the wayside… And this is the moment I ask myself where his editor is to guide him through these moments and to point out these foibles… 

     I didn’t mention Fukiishi before because she’s part of the ‘diary’ portion of the manga. Anyone who has read Drifting Net Cafe will recognize Fukiishi Yuiko, since she’s the mirror image of Kaho Tono. In the last volume of that manga, Oshimi wrote that part of his inspiration was the trauma he felt from his first love. When he was middle school, he fell in love with a girl in the softball team but, due to various reasons, the relationship didn’t last. Oshimi became plagued by the thought that he was unlovable, which generated traumatic emotional turmoil, which in turn, inspired Drifting Net Cafe. Never underestimate the emotional impact of the first love… This, of course, reminds me of the brief romance between Charles Schulz and Donna Johnson, whom he would later immortalize as the ‘Little Red-Haired Girl’ on Peanuts. Fukiishi Yuiko plays the role of ‘Little Red-Haired Girl’ — a symbol of someone these authors loved and couldn’t be with. 

     It’s interesting that in a story like Blood On The Tracks, there’s a character like Fukiishi. She’s the light of hope in the sea of darkness and despair that constantly threatens to swallow Seiichi whole. She stands out, not only for the love she feels for Seiichi and the hope she represents, but also because she’s the type of character that or Shūzō Oshimi considers uninteresting: Fukiishi is a simple, honest person, she says what she means, means what she says, and acts accordingly — she’s a straight shooter. Oshimi doesn’t create many of those characters… I can only think of Gosho from Happiness… For the type of manga that Blood On The Tracks is, Fukiishi’s presence is such a welcomed breath of fresh air (for Seiichi and the audience). Her importance in Seiichi’s life also stems from the fact that his feelings for her are his own; it marks him as an individual, with an existence that stands apart from the process of destruction his mother is inflicting on him. It was his choice to ask her to be his girlfriend. Which is probably why most fans would rather have the manga end in chapter 83, while there was still hope for a better future, while there was still hope that these kids could live for themselves. It’s also why chapters 117 and 118 hurt so much. 

     Maybe we’ll never know how much of Seiichi’s interactions with Fukiishi are rooted in real-life events, but that’s of no importance. The change of pace their interactions bring to the manga is a real lifeline, especially since both kids are risking their lives by being together. Oshimi mentioned trauma before; however, I have a hard time seeing it through their moments together… It all feels more like an homage to simpler, more positive times than anything else. Their love is a beacon of hope in a dark and unforgiving world, illustrating the potential for healing, redemption, and a return to innocence. Fukiishi’s love and positivity offer a poignant counterbalance to the unsettling and intense atmosphere of the manga. Whether or not trauma is still weighing heavily in the author’s heart, what shines through is the sense of genuine affection and connection that Seiichi and Fukiishi share. Their moments together feel like a love letter to the idea that, even in the most challenging circumstances, love and hope can thrive and offer solace. The fact that their relationship doesn't end in a conventional way, such as them being together, doesn’t diminish the impact of their love and hope on the narrative.

     The author wrote the manga in such a way that it would be impossible for the two of them to get together while obeying the rules of the narrative. And I know what you’re thinking: ‘well, he broke the rules before, couldn’t he break them again?’ He could have, but, if he was going to obey the rules, there was no way these kids were getting back together. That’s the reason why chapter 152 is an incredibly realistic and wonderfully nostalgic chapter (not for her husband, because he will have to live in the shadow of a great unfulfilled love), but it is nostalgic for the readers. I feel pretty good about the fact that she's happily married (hopefully, the gentleman is like Sudo from Happiness), but she still has lingering feelings for Seiichi. And, call me romantic, but I don’t think Seiichi forgot about Fukiishi either. If you know anything about this kid is that he never took pleasure in eating anything. He ate out of necessity, except when he was with Fukiishi. In chapter 35, Fukiishi offered him a plate of onigiri she had cooked, and he takes one and eats it with a wide grin. Probably the only time in his life he ever ate something with such gusto… Then, in the final chapter, he takes a tuna-mayo onigiri and eats it. I can’t help but think the two events are related, especially taking into account that Seiichi never shows any enthusiasm over food throughout the narrative. Of course, it’s impossible to confirm that Oshimi deliberately made a reference to Fukiishi when the elderly Seiichi eats that tuna-mayo onigiri, since that food is so omnipresent in Japan, but it seems pretty obvious to me that it could be a call-back to chapter 35. However improbable it might be, it could be seen as a way for the author to imply that, despite the passage of time and the complexities of their lives, Seiichi still carries the memory of Fukiishi and the happiness they shared.

     Maybe I’m giving the author too much credit here. Maybe this thought never occurred to him, and this was nothing but a serendipitous moment in the last chapter. I don’t know much about Oshimi’s writing style: is he a meticulous story planner or does he write more off the cuff like Akira Toriyama? I don’t have the answer for this question, but I can see that the ‘diary’ portion of this manga is better developed than the ‘story’ portion. The fact is that Seiichi’s relationship with his cousin, aunt and father is rather underdeveloped, when compared to his relationship with his mother and with Fukiishi. ‘Write what you know’ as the motto goes. The ‘diary’ portion of this manga has immaculate psychological architecture, which is why I believe this is the best manga Shūzō Oshimi has ever produced. Many people would disagree. After all, lots of folks gave up on this manga right after the time skip. Everything regarding Seiichi’s dynamics with his elderly mother made a lot of people very confused, upset, and outright reluctant to pick up the manga again. Some readers wanted revenge, they wanted a story with cathartic release, and they never got it. The frustrations led many people to close the book for good. It is quite confusing (unless you've been abused). But Seiichi’s behavior is relatively easy to understand. Oshimi’s characterizations are a masterclass in portraying the human psyche. Readers witnessed the gradual erosion of innocence and the emergence of darker, hidden facets of the protagonist’s soul, making him both relatable and unsettling. Blood On The Tracks stands out for its willingness to challenge conventional storytelling norms and embrace psychological realism. While it may not offer the cathartic release some readers seek, it invites contemplation and reflection on the complexities of human relationships and the enduring impact of trauma and abuse.

     Maybe that’s why there’s that line at the end of volume 13 about it being the “end of the preface”… Maybe because Blood On The Tracks isn’t about the total annihilation of a young boy’s soul, rather, it’s about how a young boy, after his soul was annihilated by his mother, lives with the effects of that destruction. Blood On The Tracks is also not about recovery, because Seiichi never recovers from the emotional trauma; he lives with it every day. If Blood On The Tracks was about the process of recovery, the manga wouldn’t have ended in chapter 153… Or there would’ve been another volume after chapter 152. If this manga conformed with storytelling norms, the readers would be rewarded with witnessing Seiichi conquering his identity, finding a companion, having children… That explains why many readers get so frustrated by this manga. However, I believe Oshimi was more interested in exploring the dark side of human nature and the devastating effects of trauma. When we see Seiichi as an old man enjoying his day, enjoying a good book outside, living simple pleasures in life, we can be happy for him. Deep down, we know he hasn’t recovered, and he never will, but he has learned to live with his pain, and he has found a way to survive and make the most of his life as he sees fit. The fact that he can barely remember his mother’s face tells us that the ruthlessness of the abuse she inflicted on him no longer crushes him into a ‘black hole’ of self-loathing and suicidal thoughts. This is the best possible ending, considering Seiichi has no one to help him escape the ‘black hole’ of emotional trauma.

     And this is where the manga contrasts with real life because, supposedly, Shūzō Oshimi is not alone in the world and, therefore, he’s living proof that one can escape the ‘black hole’. But did he? Why would Blood On The Tracks even exist if he had escaped the ‘black hole’?! Do people feel guilty when they read this manga, or is it just me? Because the manga industry is getting groundbreaking work of art, the audience is getting a distinct experience… We’re all reaping the benefits of Oshimi’s “self-therapy” as he calls it. What is he getting in return? He has stated in interviews, and in the afterword of volume 14 that the more he draws the manga, the more he suffers, and the worse his stutter gets. Writing and illustrating this manga as a form of self-mutilation in an attempt to exorcize the trauma… He has stated in interviews, and in the afterword of volume 14, that the more he draws the manga, the more he suffers, and the worse his stutter gets. Writing and illustrating this manga as a form of spiritual ‘self-mutilation’, and an attempt to exorcize the trauma… It’s evident that this creative process takes a toll on him, and has a profound impact on his own well-being. 

     So, how is that a form of self-healing? Is this a necessary step in his healing process? While it may seem counterintuitive that a process that takes a toll on an artist’s well-being can be considered healing, it’s essential to understand that healing is not a linear or straightforward journey. In the volume of Inside Mari that I mentioned before, he describes the moment where his mother kicked him out of the house when he was a toddler. It’s pretty horrific to imagine a childhood like that, but there’s a part where he says “I’m sure stress had been building up inside her”, because, like all victims, he makes excuses for his abuser’s monstrous behavior. The afterword of volume 14 of Blood On The Tracks is, in essence, Seiichi’s emotional journey in the latter part of the manga. Oshimi describes a relentless voice — that he considers to be the voice of his mother inside his head — that keeps him from being happy, and forces him into the ‘black hole’ of misery. His description is that of a man who, according to all societal markers for success, should be happy and fulfilled, but isn’t. 

     He feels like he can’t, that he should never aspire to anything other than misery and suffering. After you’ve done enough research, that stream-of-consciousness confession becomes somewhat easier to understand. He internalized all these negative emotions and his self-loathing and self-doubt are all too apparent and painful to witness, which is all his mother’s fault, because she was supposed to teach him about love and acceptance. The process of writing Blood On The Tracks reminds me very much about that episode of House MD, when House performs surgery on his own leg to remove the tumors. It’s that painful!

     If he intended for the manga to be some kind of revenge on his mother for all the horrible things she did to him, I’m sure there would be easier ways to accomplish this, where he wouldn’t have to put his soul in such danger. But could there be any action that would restitution him? Would there be anything she could do to or say to make him whole again?! In the manga, it becomes apparent that say Seiichi’s peace of mind cannot be given to him by his mother; it’s something he has to do for himself. It’s obvious he’ll never get what he wants out of her, either because she’s a narcissist or because she’s demented. There’s nothing she could do for Seiichi to atone for her sins; he’ll believe whatever scenario makes him feel better. This way, healing and closure are primarily internal processes that Seiichi must undertake for himself. In real life, restitution and closure may not always be achievable through external means, and survivors often have to find their own path to healing and peace, as is depicted in Seiichi’s character arc within the manga.

     In the afterword, Oshimi also says he wants to draw a curse over the audience, but if you ask me, I think he just wants someone to hear his story and validade his experience. If he really wanted to throw his pain around, he would have likely become a mass murderer, like so many others who target total strangers based on their childhood traumas. Instead, he worked on a manga for 6 years of his life, hurting no one but himself in the process. And now, because of what he did, other victims of abuse across the world might find salvation in his work, making him a beacon for positive change. I just pray that he’s looking forward, that he finds emotional support with his family and friends. I pray there is someone to hug him and tell him the abuse he endured as a child wasn’t his fault.

     The author muses over the origin of the voice in his head, and he writes that, if his mother programmed him that way, who programmed his mother? Welcome to the end of the thought process. Evidently, the main theme of blood on the tracks is generational trauma, which he would later explore at length from chapter 130 to 139. Some readers reacted angrily, others felt sorry when they heard Seiko’s story about her life before Seiichi was born. I never thought a sad childhood story gives anyone carte blanche to take their frustrations out on their children, so I don’t really care about Seiko’s sob story. She was the adult and she didn’t do anything to be a better person. She just pushed that responsibility on Seiichi — he was encumbered with the impossible task of making his mother happy. Whether or not Oshimi’s maternal grandmother was the one who started the cycle of abuse is equally irrelevant. The only thing he can do is to actively close the cycle and make sure his children are not victimized.

     In the afterword of the recently published volume 17, Shūzō Oshimi confesses that he drew this manga in order to survive. He made it all the way to the end and the last chapter was very positive for Seiichi. I’m curious to know just how many copies this manga sells worldwide, though my gut tells me that it probably doesn't make a lot of money… It’s not a diss, it’s just the fact that these themes are not family-friendly, so this manga would never sell like Dragon Ball or Fullmetal Alchemist… I hope I’m wrong; I wish it is so successful that it’s paying for Oshimi’s beach house, or his yacht, or something like that, but I have the feeling that the manga that pays the bills is The Flowers Of Evil. Still. 

     I can just hope and pray that Blood On The Tracks has granted its author some long-awaited peace of mind. As for Seiichi Osabe, he is a true hero who embodies the boundless strength of the human spirit. He was plunged into the depths of hell by the person he should’ve trusted the most, and through enduring countless hardships, he taught us that our true strength lies in finding out who we really are. Seiichi's legacy will forever inspire readers to rise above their circumstances and find their own path to self-acceptance and healing, to be authentic and stand tall, no matter what challenges life throws our way. His journey shall never be forgotten. 


6 de janeiro de 2022

30 anos de Pedra Sobre Pedra


Em memória do actor Armando Bógus (1930-1993) e de Eva Wilma (1933-2021)

Pedra sobre Pedra! Por muitas voltas que dê ao pensamento, não consigo discernir qual "o ingrediente secreto" que me faz voltar a esta novela uma e outra vez.

É um daqueles casos em que todas as linhas que constituem o novelo da trama se entrecruzam numa harmonia perfeita. Todos os núcleos eram cativantes e relevantes e tinham personagens por quem eu torcia (para o bem ou para o mal). De algumas não gostava, mas nenhuma me era indiferente.

Como é hábito nas tramas de Aguinaldo Silva, "Pedra Sobre Pedra" desenrola-se na fictícia cidade de Resplendor, no interior baiano, onde que o autor espelha um microcosmos do Brasil. A cidadezinha, que já foi considerada por muitos como a capital mundial dos diamantes, é palco de guerra para duas poderosas famílias que há séculos disputam o poder político – os Pontes e os Batista. 

Após 25 anos de ausência, Murilo Pontes (Lima Duarte) regressa a Resplendor, disposto a uma trégua com a sua maior rival, Pilar Batista (Renata Sorrah), ciente de que a cidade corre o perigo de cair nas mãos do forasteiro Cândido Alegria (Armando Bógus) nas eleições que se avizinham. O deputado pede à sua rival que apoie a candidatura do seu filho Leonardo (Maurício Mattar) à prefeitura, mas Pilar ri na sua cara, garantindo-lhe que, não só não haverá uma aliança entre os dois, como será a sua filha Marina (Adriana Esteves) a próxima prefeita de Resplendor.

Longe desta rivalidade feroz, um comboio traz Leonardo Pontes e Marina Batista de volta a Resplendor após longos anos de ausência. Os dois trocam olhares dentro do comboio e, nesse mágico quinto de segundo que demorou para eles se apaixonarem, não houve tempo para nenhum deles descobrir que pertenciam a famílias inimigas! Numa gruta, a caminho da sua cidade natal, eles apresentam-se e, após sucumbirem à atracção que sentem um pelo outro, ficam presos devido a uma explosão. Não passa muito tempo até que a verdade vem à tona e eles descobrem o passado de ódio que une (ou separa?) as suas famílias. O romance não é mais imediato  afinal, eles foram "envenenados" pelos pais durante anos – mas é forte e acaba por vencer, e eles dão início ao fim da rivalidade entre Batistas e Pontes.

E é nestes termos, neste constante contraponto entre os pais e os filhos, que a trama se desenrola. Mas, ao contrário de todas as outras novelas que já vi, as tramas paralelas eram tão interessantes quanto a trama principal.


Murilo Pontes


"Toco a vida pr'á frente, fingindo não sofrer..."

O deputado Murilo Pontes fez uma carreira política brilhante em Brasília e, enquanto isso, passou vinte e cinco anos a tentar enterrar o seu passado. Em vão, claro! Casou, teve um filho, tem uma amante, mas nada mudou. A paixão tórrida por Pilar Batista fermentou durante 25 longos anos e o seu único escape são as constantes lutas que os dois travam em nome da candidatura dos filhos à prefeitura de Resplendor. 



A actuação de Lima Duarte

Não foi a primeira vez que vi uma actuação de Lima Duarte, mas ainda não vi outra que me cativasse mais do que esta. Foi, sem dúvida, o melhor actor para interpretar este papel; a personagem exigia um grande machismo, mas também a vulnerabilidade de um coração destroçado por um amor que não conseguiu concretizar e o Lima viveu o Murilo Pontes com a perícia de um verdadeiro mestre da interpretação.


Murilo Pontes e Pilar Batista




O amor explosivo entre Pilar e Murilo é uma força que nem eles, por muito que tentem, conseguem esconder ou esquecer. Uma paixão sufocada por um terrível e orgulhoso mal-entendido que se transformou em ódio. Teria sido tudo tão simples de remediar: mas o orgulho venceu o amor e, em vez de conversarem e esclarecerem o mal-entendido, esconderam-se atrás dele. Chegava a ser doloroso vê-los em guerra constante, sabendo que a todo o instante estavam a milímetros de um longo beijo...


Pilar Batista

"eu penso no que sou e o que fiz
no desejo de te amar"

Apesar de não ser uma Batista de sangue, Pilar carrega o sobrenome do marido com muito orgulho e usa-o como arma contra o seu maior inimigo, Murilo Pontes. Tem um instinto maternal apuradíssimo e apercebe-se imediatamente que a filha está diferente quando regressa a Resplendor. A única coisa que a move é eleger a sua filha prefeita da cidade para poder esfregar na cara de Murilo Pontes que os Batista são superiores e cumprir assim o juramento de ódio que lhe havia feito vinte e cinco anos atrás.


Leonardo Pontes

"Esse amor já conhece o segredo,
o caminho do seu coração."

O jovem herdeiro dos Pontes foi mandado para São Paulo para estudar Direito, mas acabou por se licenciar em Engenharia de Minas (a sua vocação). Passou tanto tempo longe do pai que não foi "envenenado" pelo ódio entre os Pontes e os Batistas. Ele é o primeiro a ver a dimensão da estupidez daquela rixa entre famílias e é ele que tenta convencer Marina disso mesmo. Leonardo quase sucumbe ao ódio, mas só porque os mal-entendidos o afastam por algum tempo dos seus verdadeiros sentimentos por Marina.



Marina Batista

"Muito tempo atrás me destinaram a ser
Herdeira de um mal que não fiz"
A jovem herdeira dos Batista estudou Sociologia Política em França. Passou anos a fio longe de casa e longe das influências da mãe mas, ainda assim, foi muito "envenenada" pelo ódio que a mãe sente por Murilo Pontes. Quando pergunta à mãe porque é que ela e Leonardo têm de se odiar, a mãe responde-lhe "Porque eu quero e o pai dele também!" De facto, não há outro motivo a não ser que esta rivalidade se trata de uma tradição entre as duas famílias. Apesar de todas as dificuldades por que passa com Leonardo, os dois conseguem dar uma grande lição aos seus pais. E a toda a gente!



Leonardo Pontes e Marina Batista



Os "herdeiros do ódio" como eu costumo chamá-los. Sim, eles foram "envenenados" pelos pais, mas quando se viram pela primeira vez naquele comboio de volta a casa, estavam fadados a viver um sentimento mais nobre. O fim deste aparente romance (ou o início) foi quando Marina descobriu quem era o rapaz por quem se tinha apaixonado. Por entre voltas e reviravoltas, há uma mochila (a de Leonardo) que serve de motivo para um mal-entendido que quase destrói a relação entre os dois. Outro mal-entendido é a questão das carreiras políticas dos dois apaixonados que, supostamente, deveriam concorrer um contra o outro. Os dois não conseguem esconder o amor intenso que sentem um pelo outro por detrás daquele verniz de ódio e de desprezo. Felizmente, os filhos triunfam onde os pais falharam. Aqui é o amor que vence o orgulho e os egos feridos pelos mal-entendidos.



Dona Quirina Batista (Myrian Pires)



Com toda a sabedoria dos seus 121 anos, a Dona Quirina dorme com "uma orelha em pé". Sabe mais a dormir do que todas as outras personagens acordadas. Os seus conhecimentos centenários permitem-lhe ter uma perspectiva muito abrangente e correcta de tudo o que se passa na cidade – e principalmente na mansão dos Batista. Apesar das suas constantes 'indirectas' para espicaçar Pilar em relação a Murilo, ela admira muito o espírito da mulher do se neto, Jerónimo. Ela é, a bem dizer, a história viva daquele Brasil que Aguinaldo quer retratar na sua trama. "Êta, que mulher porreta!"



Hilda Pontes


Hilda era a personagem com mais classe e maior generosidade desta trama. Sempre foi perdidamente apaixonada por Murilo Pontes, mas o deputado nunca conseguiu retribuir o sentimento. Hilda casou-se com ele e constituiu família sabendo que o coração do seu amado nunca lhe pertenceria. Se havia personagem que não merecia sofrer nesta novela era ela, mas o seu amor por Murilo fê-la sofrer muito. Além de competir com Pilar pelo amor do marido, ainda tinha de competir com a amante com quem ele se encontra no Grémio Recreativo. É uma das personagens que mais cresce durante a trama. 



Gioconda Pontes (Eloíza Mafalda)



A beata mais cínica e intriguista da teledramaturgia brasileira! Vive para destilar o seu veneno em toda a gente, sob uma capa de mulher temente a Deus. Como ela mesma diz, "tem olhos de lince, nada lhe escapa". Possui a língua mais afiada de Resplendor, passa a vida a escutar atrás das portas e como mãe, é melhor nem falar! Parece que só está bem a espicaçar toda a gente, especialmente a cunhada, que acusa de se ter aproveitado do facto de Murilo ter sido rejeitado e estar carente para se aproveitar e casar com ele. 



Úrsula Pontes (Andréa Beltrão) 



Uma das pessoas com coração bondoso de Resplendor. Casou com Diamantino para fazer a vontade à mãe, mas nunca teve um momento de felicidade com o marido. A sua paixão (correspondida) por Jorge Tadeu muda completamente a sua vida. Depois da morte do fotógrafo, Úrsula tenta mil e uma coisas para o trazer de volta. E a força do seu amor vence a própria Morte!



Rosemary Pontes (Elizângela) 




"Feliz era Eva que não tinha sogra." Este era o mote da mulher de Ivonaldo. Com um sogra como Gioconda, quen pode censurá-la? É uma mulher "chiquérrima, plena e absoluta", que se envolve com o fotógrafo Jorge Tadeu. Era uma mulher com sangue na guelra que dizia ao marido quando estava furiosa: "Be pátiente o escambau, que eu 'tou out of my mind!"



Carlão Batista (Paulo Betti)



Gasta a vida a beber e a está enterrado em dívidas até ao pescoço. A cunhada Pilar diz que ele é a desgraça da família Batista. A nada ajuda o facto de ele ser o dono do Grémio Recreativo de Resplendor. Entre bebidas e jogo, o pobre 'banana' até faz o impensável: apaixona-se por uma cigana: Vida. Esta paixão muda por completo o seu destino. Ou talvez o seu destino sempre tivesse sido esse...



Francisquinha Queiroz (Arlete Salles) 



A Dona Francisquinha era o "homem" de Resplendor. Era ela que impunha a ordem e a lei na cidade e nos arredores. "Delegado é meu marido!" gostava ela de dizer a toda a gente que a chamava de "delegada". Mas os Resplendorinos tratavam-na assim porque sabiam que o seu marido era um "frouxo" que não tinha a sua mão de ferro. A Dona Francisquinha adorava zelar pela moral e os bons costumes e a sua vítima preferida era o fotógrafo Jorge Tadeu. Tinha uma mente muito activa e muito perspicaz para todo o tipo de crimes que aconteciam em Resplendor. Como ela mesma dizia, ela só "quer que a lei se cumpra, doa a quem doer". Para ela, não há crime algum que não possa ser resolvido e punido. E ninguém como ela conseguia deslindar os crimes mais complexos de Resplendor.



Kleber Vilares (Cecil Thiré)





Actual prefeito de Resplendor, que só assim é por ser apoiado por Murilo Pontes. Sabe que tem os seus dias contados na Prefeitura devido ao regresso de Leonardo Pontes a Resplendor. Dentista por profissão, vocação e implicação (porque, quando alguém lhe diz alguma coisa que ele não gosta, ele ameaça usar a sua temida broca de dentista para fazer dolorosas destartarizações). Ele implica especialmente com Sérgio Cabeleira sobre os misteriosos gritos de cada noite de lua cheia. Corrupto que é, é também um vira-casacas sem remédio e acaba fugido da cidade depois de um desfalque.  




Diamantino (Ênio Gonçalves) 





Farmacêutico, separado de Úrsula Pontes (sem divórcio passado, porque a Dona Gioconda nunca o permitiria), mas eternamente apaixonado por Pilar Batista. Que mais há a dizer? O coitado do Diamantino dava-me pena; ninguém merece sofrer assim por amor, mas quem ama sofre sempre muito, não é? Como ele mesmo dizia: "Coisas do coração são assim mesmo: não há remédio na minha farmácia que cure; aliás, nem há doente que deseje mesmo se curar". Mas o destino foi misericordioso com ele e ele teve um final feliz no fim da novela!



Yago (Humberto Martins) 



O chefe da tribo cigana que é "faz tudo" do vilão Cândido Alegria. É uma personagem trágica; o todo-poderoso líder dos ciganos que se enreda em armadilha após armadilha: primeiro cai nas garras do bandido que o deixa ficar com a tribo nas suas terras a troco da exploração do solo em busca do famoso lençol de diamantes; depois, envolve-se com a sonsa Eliane, que lhe faz o resto da vida negra. Teve o final mais trágico da novela. 



Vida (Luíza Thomé) 



A cigana Vida é uma figura quase mítica do acampamento cigano. Nos primeiros capítulos, aparecia somente a sua mão (recheada de anéis) e ela aparecia e desaparecia misteriosamente de cena, quase como um espírito desencarnado. Na sua tribo não tinha voz, devido à rejeição do noivo escolhido pelo seu irmão Yago. Mas sempre disse que "preferia ficar muda do que falar com voz emprestada".  Ela também advoga a escolha do seu próprio destino, por oposição a um imposto por qualquer outro – um acto de coragem para uma cigana! O seu romance com Carlão Batista é alvo de muitas críticas e muitas dúvidas, mas no final da história eles conseguem superar todos os obstáculos.



Lola (Tânia Alves) 




É uma das moças do Grémio Recreativo. Irmã do Sérgio Cabeleira, que está sempre do lado do irmão nas noites de lua cheia. Ela sofre tanto como o irmão por não o conseguir ajudar como ele precisa. Ela própria parece viver uma vida condenada de fome de amor, ansiando cada migalha de carinho que Murilo lhe dá. Anseia por um amor que o deputado não pode dar-lhe por motivos óbvios. Mas consegue encontrar um homem que a faz feliz e acaba a trama nos braços de Ernesto.





Sérgio Cabeleira (Osmar Prado) 



Um merceeiro inocente e bondoso, acometido por uma terrível maldição. Graças a um disparate materno, o pobre tinha a lua por madrinha e todos meses, na primeira noite de lua cheia, ela vinha buscá-lo e ele tinha de se trancafiar numa jaula. Por algum tempo, o Amor liberta-o do feitiço, mas ele não consegue resistir ao seu destino. 





Jorge Tadeu (Fábio Jr.)



O galã por excelência! Um geólogo contratado por Pilar Batista para encontrar o famosíssimo "lençol de diamantes". Chegou a Resplendor como fotógrafo e começou a espalhar brasas entre as mulheres casadas e o caos entre os maridos delas. A verdade é que nenhuma delas lhes resiste. Fazem tudo por ele. Tudinho mesmo! Mas é por Úrsula Pontes que ele se apaixona e é graças a esse amor que ele vence a própria Morte!



Cândido Alegria (Armando Bógus)



Ganância, vingança e poder – a santíssima trindade do nosso vilão… E como todo o bom vilão, ele é omnipresente e omnisciente, tal qual uma força demoníaca! O "hoteleiro de meia pataca", o "traque de botas", o "bicho de pé", como diz Murilo Pontes; "o borra-botas" como diz Pilar Batista é o grande vilão da trama. Este sujeito sinistro não se contentava com nada que não fosse o máximo que ele pudesse roubar ou ururpar. Ele é a mão invisível que comanda todas as desgraças desta trama. Ele e a sua filha (que não sabe que é) são os catalisadores dos acontecimentos mais importantes da novela. O mineiro tinha uma ambição desmedida de poder e riqueza. É dono das terras onde se situa o lençol de diamantes. Sempre foi apaixonado por Pilar Batista desde o tempo que trabalhava para os Batista como ferreiro. Tem um dos finais mais surpreendentes da teledramaturgia brasileira!



Eliane (Carla Marins) 




Por detrás da gratidão que ela tem a Pilar por tê-la acolhido em sua casa após a morte da mãe, esconde a mesma natureza cínica e dissimulada do pai. Aliás, é ele mesmo que planta a semente da maldade da menina, quando lhe diz quem é o pai dela – sem saber que é ele mesmo. Depois de uma discussão violenta com Pilar Batista por nunca lhe contar a história sobre o seu pai, Eliane muda-se para a casa dos Pontes. Sem surpresas, o fazendeiro recusa-se a aceitá-la como filha e, com a ajuda de Rosemary, ela consegue descobrir que é, de facto, filha de Cândido Alegria.



Ximena Vilares (Nívea Maria) 



Mulher de Kleber e Primeira-Dama de Resplendor. Melhor amiga de Suzana Frota. É uma mulher portuguesa que também passa diante da máquina fotográfica de Jorge Tadeu. Como "viúva" do fotógrafo, ela também come da flor da árvore do Espanto. 



Suzana Frota (Isadora Ribeiro) 




Mulher jovem, casada com o velho Frota, que não aguentou e teve um "treco", err, quer dizer, um AVC e viveu toda a trama acamado, "vegetando feito um quiabo". É a melhor amiga de Ximena e sua compincha; se bem que também é sua rival no que toca aos retratos que tira com Jorge Tadeu. 



Alva (Lilia Cabral)



Trabalha no Grémio Recreativo Resplendorino, mas sempre sonhou em sair de lá. Não tem escrúpulos nem pena das outras moças que com ela trabalham. Tem o estranho hábito de roubar todas as bugigangas que encontra, pois acha que pode enriquecer um dia à conta delas.  



Adamastor (Pedro Paulo Rangel)


Administrador de facto do Grémio Recreativo. Toda a cidade sabe que ele não é o dono do estabelecimento. Esbanja bondade para as moças que lá trabalham e, especialmente, para o amigo de infância, Carlão Batista, que o trata como um cão sarnento. A palavra 'homossexual' nunca é dita durante a novela, mas como diz o povo, "para bom entendedor meia palavra basta". 




Ivonaldo Pontes (Marco Nanini)


O deputado substituto que regressou de Brasília no início da trama, ou da 'corte', como ele mesmo lhe chama. As mulheres da sua vida infernizam-no a toda a hora: a mãe (que o trata como um garoto irresponsável e lerdo) e a esposa (que o trai e lhe dá surras de toalha molhada). Aos poucos, vai ganhando a sua independência… Bem, depois de ser chifrado pela mulher com um defunto, o homem nunca mais poderia ser o mesmo…!




Jerusa (Tereza Seiblitz) 

Criada na casa dos Pontes desde criança. É filha de Heraldo, o capanga de Murilo Pontes. A sua relação com a sua tia Lola e com o seu tio Sérgio Cabeleira são complicadas, devido ao ódio que o pai tem dos dois familiares. Mas esse sentimento não passa para a menina que, embora passe o diabo nas mãos da megera Gioconda Pontes, apaixona-se pelo jovem Ulisses, o filho do delegado.   




Padre Otoniel (Antônio Pompêo)  

O verdadeiro padre enviado para Resplendor para tomar conta da paróquia. Não há terra que mais precise deste bom pastor, mas a sua chegada ficou cheia de controvérsias. Logo que dá de caras com Gioconda Pontes, a sua vida transforma-se num inferno. Paradoxalmente, ele e a sua igreja transforma-se num porto seguro para os dois filhos das famílias rivais. Marina e Leonardo encontram no padre um ombro amigo e um grande aliado.




Delegado Francisco Queiroz (Nelson Xavier) 

Francisco Queirós é o delegado de Resplendor. Pelo menos, em nome. Os cidadãos resplendorinos reconhecem que, apesar da sua autoridade, é a sua esposa que toma conta da delegacia da cidade. O seu casamento é uma fachada que ele alimenta, apesar da vida dupla que faz com Nice.




Tíbor (Eduardo Moscovis) 

Tíbor é um jovem cigano, sobrinho de Yago e de Vida. Está a aprender as tradições do seu povo e é muitas vezes rechaçado pelas meninas da cidade por "cheirar mal" e pela sua etnia. Sendo adolescente, Tíbor é muito sensível a estas críticas e revolta-se contra as tradições do seu povo e da sua tribo, indo contra as ordens do tio. Apaixona-se por Daniela Pontes e mantém uma relação secreta com ela.
  


“Danadas de linhas mais tortas... Mas é sempre assim que o Destino escreve.”


Nos primeiros capítulos, esta frase é dita pela cigana Vida, quando se apercebe do quão intrincada esta trama se vai tornar no futuro. De facto, Aguinaldo Silva escreveu uma das tramas mais intrincadas e bem montadas de sempre da história da teledramaturgia brasileira. As personagens estão bem desenvolvidas e é-nos fácil gostar delas ou odiá-las, conforme o caso. Isto consegue-se, porque as atuações são magistrais, desde as personagens mais importantes até aos pequenos papéis sem grande impacto na trama. Além disso, a espinha dorsal que segura toda esta telenovela é brilhante. Literalmente! O célebre lençol de diamantes é ‘uma personagem invisível’ e o motivo pelo qual tudo acontece nesta história. É a motivação ideal tanto para os protagonistas como para os vilões. Inclusive, é o motivo pelo qual uma das personagens mais carismáticas da novela, o fotógrafo sedutor Jorge Tadeu, chega a Resplendor. Ele e os seus famigerados retratos, mais a sua caderneta cheia de anotações crípticas são quase uma história dentro da história principal.

A história daquele amor enviesado entre Murilo e Pilar tem tanto de envolvente como de exasperante. Os dois não conseguem esconder o intenso amor que sentem um pelo outro (mesmo depois de 25 anos e ausência) por detrás daquele verniz de ódio e de desprezo. É engraçado quando vemos que o título desta novela dobrada na Venezuela é “Te odio mi amor”! Os tradutores conseguiram capturar perfeitamente o sentimento que permeia toda a trama.


Estas são algumas das minhas cenas preferidas da novela:

A Gruta dos Amores – Apesar de Marina e Leonardo se verem pela primeira vez no comboio, é na gruta que os dois se conhecem melhor. Quando se dá uma derrocada e os dois ficam presos lá dentro, eles têm todo o tempo do mundo para se conhecerem (ainda que Leonardo se recuse a dizer o seu apelido). Quando ela descobre quem ele realmente é, claro que não correu bem… Mas este momento é a primeira vitória do Amor contra o Ódio que eles estavam destinados a herdar. 

O reencontro entre Murilo e Leonardo  Num dos primeiros capítulos, quando Leonardo volta para casa e se encontra frente a frente com Murilo pela primeira vez na trama. Nunca vi tamanho orgulho do pai nem tamanha apreensão do filho, que sabe (tal como nós) que o destino ainda lhe vai trazer muitos dissabores. 

O monólogo de Cândido Alegria – Num dos primeiros capítulos, o nosso vilão tem um ataque de fúria quando se lembra de tudo aquilo que os seus inimigos já disseram sobre ele. Entre o êxtase que sente com a sua conquistada fortuna e o desespero de ser ignorado pela única mulher que ama, Cândido Alegria jura vingança e sonha com dia em que Pilar Batista o vai amar. Que actuação magistral de Armando Bógus! 

A conversa entre Marina e Murilo sobre os cartazes – Estas duas personagens já tinha tido outros encontros antes, mas esta conversa é particularmente interessante. Murilo está furioso pelo facto dos cartazes do seu filho terem sido roubados e Maria vai fazer justiça à honra da mãe. A assertividade dos argumentos de Marina dobra essa raposa velha que é o deputado Murilo Pontes e ele acaba concordar com ela que Pilar Batista nunca cometeria um acto daqueles. 

A conversa entre Marina e Hilda no cemitério – A matriarca dos Pontes marca uma reunião secreta com a jovem herdeira dos clã dos Batista para falar sobre um assunto muito delicado e íntimo. Hilda tenta persuadir Marina a confessar os seus sentimentos por Leonardo, mas a jovem resiste com toda a assertividade que possui (embora o seu olhar a traia!). Mas. como intuição de mãe nunca falha, Hilda intui que o ódio que Marina diz sentir pelo seu filho é só para mascarar os seus verdadeiros sentimentos por ele. Antes de Marina se retirar, Hilda reforça a sua mensagem, garantindo que apoia incondicionalmente os dois amantes.

A morte de Jorge Tadeu – É a cena com um cadáver mais bonita que eu alguma vez vi. Um momento verdadeiramente icónico na história da teledramaturgia brasileira. O fotógrafo é morto a tiro na cama de Adamastor e muitas borboletas cercam o seu corpo que exala um "perfume de flor" sufocante. É muito bonita a cena em que uma das borboletas sai pela janela e vai parar à moita onde ele costumava 'aliviar-se' depois de um dia a tirar fotografias.

A reconciliação de Marina com Leonardo – Apesar das acusações de ciúmes que Marina faz a Leonardo (que podiam ter piorado ainda mais a situação entre os dois), a verdade é que ele reconheceu que ela falava verdade. E assim, sem ego, sem orgulho, com as linhas de comunicação abertas, os dois amantes reconciliaram-se e conseguiram o que os seus pais nunca conseguiram! 

Marina chama pelo Leonardo – A arder em febre, Marina murmura o nome de Leonardo. Pilar ouve e fica desconfiada. Fica mais desconfiada ainda quando o próprio Leonardo tenta visitar Marina contra a vontade do pai e de Pilar. Eliane bem tenta desviar a atenção da sua mãe adoptiva, mas Pilar fica com a pulga atrás da orelha. Dona Quirina, que é a criatura mais esperta da mansão dos Batista, apercebe-se de tudo sem que ninguém tenha que lhe explicar nada.

A posição de Hilda Pontes – Quando Hilda visita uma Marina acamada e faz questão de explicar à Pilar que não tem nada a ver com o ódio entre os Batistas e os Pontes e não quer ter nada a ver com o ódio que se destila entre as duas famílias há séculos. Hilda exalta ainda o discurso que Marina fez após a tempestade e garante que ninguém saberá da sua visita. Pilar fica deveras impressionada com a mulher do seu inimigo. É um daqueles momentos maravilhosos em que vemos a bondade e a força de carácter de Hilda; algo que, nem uma mulher como Pilar Batista, pode negar ou desrespeitar. 

Hilda pergunta a Murilo se tem sido uma boa esposa  Após descobrir a infidelidade do marido, Hilda vai ser com ele e Murilo garante-lhe que ela é a melhor esposa que um homem pode desejar e diz que lhe estará eternamente agradecido. Afinal, se não fosse por ela, ele teria tirado a própria vida. 

A conversa definitiva entre Pilar e Murilo  Quando o deputado vai a casa de Pilar esclarecer a situação com a paternidade de Eliane, eles envolvem-se numa calorosa discussão e cutucam nas feridas do passado. No final, ao fim de 25 anos de mal-entendidos e ódio, percebe-se que nenhum deles mudou a sua posição sobre o tema. Orgulho ferido e teimosia é tudo o que os impede de viver o seu amor.

Os pais 'flagram' os filhos – a meio da trama, Murilo e Pilar encontram a cabana onde os filhos se encontravam. O flagrante é seguido pelo choque daquela traição familiar, Hilda tenta impedir que os dois alcancem a cabana, mas não chega a tempo de impedir o confronto. É o momento mais tenso da trama com representações magistrais dos actores principais. 

As conversas dos pais e dos filhos – A conversa de Pilar com Marina e a conversa de Murilo com Leonardo são dois dos meus momentos favoritos. São conversas diametralmente opostas; a mãe e a filha sempre tiveram uma ligação mais forte e o ressentimento de Pilar em relação a Murilo faz com que ela seja muito cruel com Marina num momento tão delicado como aquele. Já a conversa entre Murilo e Leonardo resume-se a aspirações políticas que o pai pensa que o filho tem. No final, Murilo é incapaz de compreender que Leonardo não tem a mínima vocação para o cargo e estava só a fazer o jogo do pai até lhe poder contar a verdade. Ao contrário de Pilar (que faz um ultimato à filha), Murilo é incapaz de encontrar uma forma de diálogo com o filho e expulsa-o de casa. Uma cena de partir o coração!

A escolha de Marina – Para uma história tantas vezes comparada à Tragédia de Romeu e Julieta, Marina consegue a proeza de analisar friamente a sua situação e trabalhar em conjunto com o homem que ama para evitar cair na mesma armadilha que condenou Murilo e Pilar a uma vida de ódio permanente. Quando Marina escolhe ficar ao lado da mãe e concorrer à Prefeitura de Resplendor, mantendo o seu romance clandestino com Leonardo, ela consegue alcançar tudo o que deseja. E no final, tanto Pilar como o Murilo têm de engolir o sapo de ser os filhos casados e as duas famílias unidas em sagrado matrimónio!



E da boca do autor:





Obrigado por esta obra-prima, Aguinaldo Silva!