O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre
mim,
O sono universal que desce individualmente
sobre
mim —
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
É o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as
desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada
para
isso.
O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que
esperar.
Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo-andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de
alguém.
De quem?,
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.
Meu Deus, tanto sono!...
Ora até que enfim..., perfeitamente...
Cá está ela!
Tenho a loucura exactamente na cabeça.
Meu coração estoirou como uma bomba de
pataco,
E a minha cabeça teve o sobressalto pela
espinha acima...
Graças a Deus que estou doido!
Que tudo quanto dei me voltou em lixo,
E, como cuspo atirado ao vento,
Me dispersou pela cara livre!
Que tudo quanto fui se me atou aos pés,
Como a serapilheira para embrulhar coisa
nenhuma!
Que tudo quanto pensei me faz cócegas na
garganta
E me quer fazer vomitar sem eu ter comido
nada!
Graças a Deus, porque, como na bebedeira,
Isto é uma solução.
Arre, encontrei uma solução, e foi preciso
o estômago!
Encontrei uma verdade, senti-a com os
intestinos!
Poesia transcendental, já a fiz também!
Grandes raptos líricos, também já por cá
passaram!
A organização de poemas relativos à
vastidão de cada assunto resolvido em vários —
Também não é novidade.
Tenho vontade de vomitar, e de me vomitar a
mim...
Tenho uma náusea que, se pudesse comer o
universo para o despejar na pia, comia-o.
Com esforço, mas era para bom fim.
Ao menos era para um fim.
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