13 de julho de 2014

O Epitáfio e o Esquecimento

Hoje, que sinto nada a vontade, e não sei que dizer,
Hoje, que tenho a inteligência sem saber o que querer,
Quero escrever o meu epitáfio: Álvaro de Campos jaz
Aqui, o resto a Antologia grega traz...
E a que propósito vem este bocado de rimas?
Nada... Um amigo meu, chamado (suponho) Simas,
Perguntou-me na rua o que é que estava a fazer,
E escrevo estes versos assim em vez de lho não saber dizer.
É raro eu rimar, e é raro alguém rimar com juízo.
Mas às vezes rimar é preciso.
Meu coração faz pá como um saco de papel socado
Com força, cheio de sopro, contra a parede do lado.
E o transeunte, num sobressalto, volta-se de repente
E eu acabo este poema indeterminadamente.



Tragam-me esquecimento em travessas!
Quero comer o abandono da vida!
Quero perder o hábito de gritar para dentro.
Arre, já basta! Não sei o quê. mas já basta...
Então viver amanhã, hein?... E o que se faz de hoje?
Viver amanhã por ter adiado hoje?
Comprei por acaso um bilhete para esse espectáculo?
Que gargalhadas daria quem pudesse rir!
E agora aparece o eléctrico — o de que eu estou à espera —
Antes fosse outro... Ter de subir já!
Ninguém me obriga, mas deixai-o passar, porquê?
Só deixando passar todos, e a mim mesmo, e à vida...
Que náusea no estômago real que é a alma consciente!
Que sono bom o ser outra pessoa qualquer...
Já compreendo porque é que as crianças querem ser guarda-freios...
Não, não compreendo nada...
Tarde de azul e ouro, alegria das gentes, olhos claros da vida...

–– Álvaro de Campos


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