9 de dezembro de 2017

"Meu bálsamo para a dor de ser"

Rui Veloso

Se há artistas marcantes na minha vida, um deles é certamente Rui Veloso. As letras de "Mingos & Os Samurais" são as primeiras que eu decorei na minha infância.

Há uma outra música do Rui Veloso, que ouvi quando era jovem e que me atingiu como um raio sem eu nunca conseguir entender porque é que ela mexeu tão profundamente com a minha alma. Estava eu num sono leve, com o rádio ao meu lado - como dormia sempre naqueles tempos - e a melodia melancólica impregnou a minha alma para sempre. Levei muitos anos para descobrir o significado daquela música para mim. Eventualmente, cresci, desenvolvi um bocadinho, as palavras vieram e fui capaz de verbalizar as minhas emoções. Esta música expressava uma sensação de ansiedade, de ansiedade de desempenho, medo do fracasso, medo do sucesso, procrastinação (uma palavra que eu não conhecia na época) e a impulsiva e fútil busca de prazeres efémeros que permitem colocar a vida em espera, enquanto se tenta descobrir o que fazer a seguir.

A música descreve um marinheiro, perdido num país distante - na Índia ou algo assim - que desperdiça a sua vida, não querendo partir e inventando todo o tipo de desculpas (chuva, maré baixa) para não fazer o que tem de fazer. O tempo todo, fumando ópio num narguilé e possivelmente sucumbindo ao vício no final da música… Quem sabe…?

Li recentemente uma tese da Universidade de Lublin sobre essa música e a sua inclusão num álbum que eu não conhecia - porque ninguém descreveu a sua origem na rádio quando eu era mais jovem. E foi assim que aprendi sobre a história desta música e a história por detrás do álbum.


Esta música insere-se num disco intitulado "Auto da Pimenta". Este álbum foi encomendado pelo Estado Português e tornou-se o disco oficial das comemorações dos 500 anos dos Descobrimentos. É irresistível pensar que Carlos Tê conseguiu algo que nem Fernando Pessoa conseguiu. A Mensagem foi sequestrada por Salazar e usada como mais uma peça na sua monstruosa máquina de propaganda mas Carlos Tê, através das suas letras, manda um grande manguito ao governo do Cavaco. Ninguém no seu perfeito juízo celebraria o que estas letras descrevem, música após música. Reconheço as referências literárias de Camilo Pessanha e de Fernando Pessoa, mas não sei se concordo com a interpretação da música. Afirmar que aquele homem solitário (que prefere morrer no local onde está do que regressar aonde pertence) representa um país inteiro apenas preocupado com velhas glórias e que se recusa a seguir em frente é esticar demais a metáfora para mim. A "alma portuguesa" é um pouco mais vasta, acho, não é o monólito que é descrito na análise. O autor da tese tenta meter o Rossio na Betesga. Enfim... 

Para mim, nada disso importa. No meu coração, a música continua a ser sobre os mesmos temas: (procrastinação, ansiedade e uma necessidade negativa de prazeres efémeros), embora eu não tenha ilusões que a minha interpretação seja mais acertada do que a outra. Sim, a morte do autor e tal, mas há limites. Provavelmente, a minha interpretação diz mais sobre mim...


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