“I have absolutely no pleasure in the stimulants in which I sometimes so madly indulge. It has not been in the pursuit of pleasure that I have periled life and reputation and reason. It has been the desperate attempt to escape from torturing memories, from a sense of insupportable loneliness and a dread of some strange impending doom.”
Esta é a capa da primeira edição desse estrondoso sucesso da literatura juvenil portuguesa, intitulado A Lua de Joana.
O meu primeiro contacto com este livro foi – digo-o com algum espanto – numa aula de Geografia. Não tenho memória do contexto em que puxaram o assunto mas lembro-me, como se fosse hoje, da professora ler aquele infame carta de 20 de Fevereiro de 1994 diante da turma inteira.
Como seria de esperar, quando cheguei da escola nessa tarde, descobri que já o tínhamos, graças à popularidade d’ “O Clube das Chaves”.
Quando Maria Teresa Maia Gonzalez escreveu A Lua de Joana, ofereceu a primeira edição juntamente com outro livro, um dos volumes d’ “O Clube das Chaves” Uma nota na contracapa dizia: “Este volume é oferecido aos compradores d’ O Clube das Chaves tira a Prova Real e não pode ser vendido separadamente”.
Para quem não tem esta primeira edição, A Lua de Joana foi apoiada pela TVI e pelo padre Vitor Feytor Pinto, o Alto Comissário para o Projecto Vida naquela época.
A simplicidade da capa deste livro é o que lhe confere o seu poder narrativo. O símbolo do relógio em conjunção com o rosto da protagonista são o nosso meio de entrada na trama. E sem nos darmos conta, temos tudo o que precisamos para iniciar a leitura.
Joana Brito vem de uma família afluente e é uma pessoa que tem tudo para vencer na vida. Aos 14 anos é uma aluna brilhante; grande jogadora de básquete; vencedora de torneios de xadrez; grande artista gráfica; tem a aprovação dos seus pares (é delegada de turma) e dos professores (é das melhores alunas da turma). A Joana tem, para todos os efeitos, um futuro brilhante pela frente! Normalmente, Deus não é tão generoso de colocar extraordinárias capacidades físicas e intelectuais no mesmo saco de ossos!
Talvez por isso seja tão difícil compreender e perdoar um ser que, sendo possuidor uma inteligência superior, toma a ignóbil decisão de se envolver com drogas. Mas este será um julgamento injusto, se não levarmos em linha de conta as circunstâncias em que a Joana vive. A sua situação familiar, embora economicamente privilegiada, (é filha de um cirurgião plástico e de uma dona de um pronto-a-vestir) sofre de um sufocante síndrome de alienação. Joana sente que não tem ninguém com quem desabafar em casa, a não ser a Avó Ju. Os seus seus pais são viciados no trabalho e o irmão Jorge é um rebelde inadaptado com quem ela não pode trocar mais que monossílabos e grunhidos. Até agora, não parece uma situação muito diferente de tantas outras famílias portuguesas. Mas essa instabilidade familiar tornou-se avassaladora depois da sua melhor amiga, Marta, sucumbir a uma overdose.
A perda da Marta foi um momento decisivo na vida de Joana. Incapaz de aceitar a sua morte e de comunicar a sua dor a quem lhe era mais próxima, a jovem entrou em ruptura emocional. A sua sanidade mental prende-se por esse ténue fio de cartas que ela escreve à sua melhor amiga, um acto que muitos considerariam desequilibrado (e que a própria Joana questionou, não sendo, contudo, capaz de lhe dizer finalmente adeus).
Ela tenta aguentar-se o melhor que pode – na escola, nas actividades extracurriculares, em casa e com os seus amigos mais próximos. Ninguém pode dizer que ela não fez tudo ao seu alcance para se manter 'à tona'. Mas algo vai muito mal desde o momento em que ela começa a escrever as cartas à Marta. Uma e outra vez, ela confessa que tem dificuldades em dormir uma noite descansada devido aos pesadelos constantes que tem com a sua melhor amiga. Ainda em 23 de Outubro de 1992, ela confessa só ter dormido "no máximo, três horas". A privação de sono, além de ser um método de tortura psicológica extremamente eficaz, é também uma forma de baixar os níveis de serotonina no cérebro, o que, com o tempo, leva a vítima a uma depressão clínica.
Se juntarmos a essa depressão latente a partida da avó Ju, percebemos que a pobre Joana está numa embrulhada emocional demasiado grande, uma espiral descendente da qual não consegue encontrar saída. O choque da perda da avó é tal que ela nem consegue chorar a sua perda. A partir desse dia 2 de Abril de 1993, a depressão da Joana acentua-se e a jovem desinteressa-se por tudo o que antes a fazia feliz.
Só sobra uma pessoa importante na sua vida. O Diogo, irmão da Marta, e de quem ela era amiga desde que os três eram crianças, era a sua última esperança para tentar perceber o que tinha motivado a mudança radical da Marta e o seu uso de droga nos últimos três meses de vida. O Diogo sempre fora "assim como um irmão" (como ela mesma confessa) e ela não queria perder aquela amizade por nada.
Quando a Joana entra em rota de colisão com o último amigo que lhe resta… Bem, não é preciso um génio para perceber que a corda parte sempre do lado mais fraco! Tudo começa a propósito dessa tarde de 25 de Maio de 1993, uma tarde envolta em mistério para os mais incautos, mas que grita aos ouvidos dos mais atentos… Aquele evento muda para sempre a dinâmica entre eles. Primeiro, evitam-se, não sabendo como lidar com aquela situação, mas depois entendem-se mais ou menos. Numa das suas cartas, a Joana confessa alegremente à melhor amiga que ela e o Diogo são "quase namorados"…
A sua relação evolui para um estranho limbo entre amizade e namoro. E é nesta profunda e enlameada incerteza que os dois vão viver, até ao dia em que o Diogo lhe pede algum dinheiro. Claro que a Joana nada de estranho vê nisso, mas nesta altura o leitor começa a desconfiar da atitude…
Nunca teremos uma resposta cabal para o facto do Diogo estar a refazer os passos da irmã e arrastar a Joana consigo nesse processo destrutivo. Estaria ele, tal como a Joana, simplesmente a tentar compreender o que fizera a irmã enverdar por aquele mesmo caminho? Ou terá sido ele impelido para o mundo das drogas numa tentativa de mitigar o sofrimento causado pelo divórcio dos pais?
Há outra figura sinistra que entra na vida de Joana por via do Diogo: a Rita, que também havia sido amiga (?) da Marta. A Rita diz – com uma convicção desmesurada – que só consome drogas ocasionalmente e que nunca cairia no erro da Marta e sofrer uma overdose, porque tem controlo sobre o seu corpo. Isto dá que pensar… É o sonho de todo o drogado acreditar piamente que pode controlar a reacção da substância que ingere, mas a verdade é que, para se ser um consumidor casual, um ‘chipper’ como se diz em inglês, a pessoa não pode ter demónios que queira afogar.
Conhecem alguém assim? Se é verdade que é tecnicamente possível que haja pessoas que somente tomam drogas quando querem intensificar uma experiência boa, é mais verdade que alguém comece a consumir quando está numa fase má da vida, numa tentativa desesperada de minimizar o seu sofrimento emocional. Se essa experiência funcionar, é quase certo que a pessoa irá repeti-la.
Há grandes hipóteses da Rita estar apenas a mentir a si própria, tal como tantos outros toxicodependentes. Mas se levarmos a sério as suas afirmações de que ela nunca cairia no mesmo erro da Marta, que só consome ocasionalmente, então ela estaria na categoria dos “chippers”.
O único motivo que me leva a pensar que ela está em negação é pelo facto de haver poucas pessoas à face da terra que estejam bem resolvidas consigo mesmas, que não tenhas demónios interiores. Qualquer ser que sofra uma dor emocional profunda é o candidato ideal para se tornar emocionalmente dependente de drogas. Não é difícil perceber o porquê: quando se descobre um mecanismo para afogar as mágoas, rapidamente uma pessoa se entrega a esse conforto que parece real, apesar de não o ser.
Pela descrição da carta de 20 de Fevereiro de 1994, só podemos concluir que uma dose foi suficiente para “agarrar” a Joana, fazendo-a esquecer-se do inferno em que estava metida e, no espaço de um mês, houve uma incontrolável hemorragia de pertences (incluindo jóias) que serviam para pagar o vício. Em menos de um mês de consumo, a droga toma conta dela. Em Abril desse ano, Joana faz a sua primeira cura internada, mas rapidamente tem uma recaída. Em Maio, pede para ser internada numa clínica de reabilitação. Nenhum leitor fica indiferente a este último rasgo de lucidez. Aumenta a esperança que as coisas vão correr bem…!
O que é realmente assombroso nesta obra é o desfecho de toda a trama e como ele subverte por completo as nossas expectativas. Jorge Brito, descrito pela irmã como o mais problemático da família, arranja (sabe-se lá como) uma forma de lidar com os seus problemas, e a Joana… Por outro lado, é fácil pensar que a pessoa a arrastou para o vício lhe sucumba a qualquer altura, mas tal nunca acontece. Nem o Jorge se refugia em substâncias ilícitas nem o Diogo morre.
Quanto à Joana, é óbvio que ela foi vítima de um fado insuportavelmente injusto. É mais fácil perdoá-la quando compreendemos tudo porque ela passou nos últimos dois anos de vida. Claro que ela tomou uma decisão péssima quando escolheu o caminho da auto-destruição – quer queiramos quer não, foi uma escolha dela – mas por outro lado, pode-se mesmo atribuir culpa a uma adolescente num profundo estado de depressão? Esta palavra nunca é usada no livro mas, à medida que o tempo passa, a Joana vai-nos dando várias pistas sobre o seu estado mental: a perda de interesse nos amigos, o afastamento da família, o crescente desinteresse por actividades que ela gostava, a incapacidade de se concentrar nos estudos… tudo isto são sintomas clássicos de uma depressão clínica. Ela precisava de drogas, sim, mas era de inibidores selectivos da recaptação da serotonina em vez de heroína. E isso ninguém lhe deu!
Já vi vários comentários de leitores que se perguntavam se a Joana se tinha suicidado ou se tinha sofrido o mesmo destino da sua melhor amiga. Pode parecer confuso, visto que o final é tão abrupto. Na sua última carta, Joana dá-nos duas pistas que me fazem pensar que ela morreu de overdose; primeiro, ela sonha com uma figura que, pela sua descrição, é a Morte; segundo, ela pensa em telefonar à Rita… Os toxicodependentes em recuperação são aconselhados a afastarem-se de pessoas que invoquem neles memórias do consumo de drogas. A Joana queixa-se que o Diogo foi afastado dela porque não era “aconselhável” que eles estivessem juntos mas, na verdade, os psicólogos tomaram a decisão certa quando os afastaram.
E depois, a Joana telefonou à Rita…
O que é que aconteceu?
As memórias da droga foram tão fortes que a Joana recaiu?
Que dose terá tomado?
Uma dose forte demais para o seu coração ou pulmões, talvez…
Esta pergunta nunca terá uma resposta cabal, porque a autora nunca entrou em detalhes sobre o momento final da sua protagonista. Se ela não tivesse pegado no telefone, ainda podia estar viva.
Que ironia cruel que aquele último gesto de comunicação tenha sido o catalisador da sua morte…
É de cortar para sempre o coração…
Para quem não tem esta primeira edição, A Lua de Joana foi apoiada pela TVI e pelo padre Vitor Feytor Pinto, o Alto Comissário para o Projecto Vida naquela época.
A simplicidade da capa deste livro é o que lhe confere o seu poder narrativo. O símbolo do relógio em conjunção com o rosto da protagonista são o nosso meio de entrada na trama. E sem nos darmos conta, temos tudo o que precisamos para iniciar a leitura.
Joana Brito vem de uma família afluente e é uma pessoa que tem tudo para vencer na vida. Aos 14 anos é uma aluna brilhante; grande jogadora de básquete; vencedora de torneios de xadrez; grande artista gráfica; tem a aprovação dos seus pares (é delegada de turma) e dos professores (é das melhores alunas da turma). A Joana tem, para todos os efeitos, um futuro brilhante pela frente! Normalmente, Deus não é tão generoso de colocar extraordinárias capacidades físicas e intelectuais no mesmo saco de ossos!
Talvez por isso seja tão difícil compreender e perdoar um ser que, sendo possuidor uma inteligência superior, toma a ignóbil decisão de se envolver com drogas. Mas este será um julgamento injusto, se não levarmos em linha de conta as circunstâncias em que a Joana vive. A sua situação familiar, embora economicamente privilegiada, (é filha de um cirurgião plástico e de uma dona de um pronto-a-vestir) sofre de um sufocante síndrome de alienação. Joana sente que não tem ninguém com quem desabafar em casa, a não ser a Avó Ju. Os seus seus pais são viciados no trabalho e o irmão Jorge é um rebelde inadaptado com quem ela não pode trocar mais que monossílabos e grunhidos. Até agora, não parece uma situação muito diferente de tantas outras famílias portuguesas. Mas essa instabilidade familiar tornou-se avassaladora depois da sua melhor amiga, Marta, sucumbir a uma overdose.
A perda da Marta foi um momento decisivo na vida de Joana. Incapaz de aceitar a sua morte e de comunicar a sua dor a quem lhe era mais próxima, a jovem entrou em ruptura emocional. A sua sanidade mental prende-se por esse ténue fio de cartas que ela escreve à sua melhor amiga, um acto que muitos considerariam desequilibrado (e que a própria Joana questionou, não sendo, contudo, capaz de lhe dizer finalmente adeus).
Ela tenta aguentar-se o melhor que pode – na escola, nas actividades extracurriculares, em casa e com os seus amigos mais próximos. Ninguém pode dizer que ela não fez tudo ao seu alcance para se manter 'à tona'. Mas algo vai muito mal desde o momento em que ela começa a escrever as cartas à Marta. Uma e outra vez, ela confessa que tem dificuldades em dormir uma noite descansada devido aos pesadelos constantes que tem com a sua melhor amiga. Ainda em 23 de Outubro de 1992, ela confessa só ter dormido "no máximo, três horas". A privação de sono, além de ser um método de tortura psicológica extremamente eficaz, é também uma forma de baixar os níveis de serotonina no cérebro, o que, com o tempo, leva a vítima a uma depressão clínica.
Se juntarmos a essa depressão latente a partida da avó Ju, percebemos que a pobre Joana está numa embrulhada emocional demasiado grande, uma espiral descendente da qual não consegue encontrar saída. O choque da perda da avó é tal que ela nem consegue chorar a sua perda. A partir desse dia 2 de Abril de 1993, a depressão da Joana acentua-se e a jovem desinteressa-se por tudo o que antes a fazia feliz.
Só sobra uma pessoa importante na sua vida. O Diogo, irmão da Marta, e de quem ela era amiga desde que os três eram crianças, era a sua última esperança para tentar perceber o que tinha motivado a mudança radical da Marta e o seu uso de droga nos últimos três meses de vida. O Diogo sempre fora "assim como um irmão" (como ela mesma confessa) e ela não queria perder aquela amizade por nada.
Quando a Joana entra em rota de colisão com o último amigo que lhe resta… Bem, não é preciso um génio para perceber que a corda parte sempre do lado mais fraco! Tudo começa a propósito dessa tarde de 25 de Maio de 1993, uma tarde envolta em mistério para os mais incautos, mas que grita aos ouvidos dos mais atentos… Aquele evento muda para sempre a dinâmica entre eles. Primeiro, evitam-se, não sabendo como lidar com aquela situação, mas depois entendem-se mais ou menos. Numa das suas cartas, a Joana confessa alegremente à melhor amiga que ela e o Diogo são "quase namorados"…
A sua relação evolui para um estranho limbo entre amizade e namoro. E é nesta profunda e enlameada incerteza que os dois vão viver, até ao dia em que o Diogo lhe pede algum dinheiro. Claro que a Joana nada de estranho vê nisso, mas nesta altura o leitor começa a desconfiar da atitude…
Nunca teremos uma resposta cabal para o facto do Diogo estar a refazer os passos da irmã e arrastar a Joana consigo nesse processo destrutivo. Estaria ele, tal como a Joana, simplesmente a tentar compreender o que fizera a irmã enverdar por aquele mesmo caminho? Ou terá sido ele impelido para o mundo das drogas numa tentativa de mitigar o sofrimento causado pelo divórcio dos pais?
Há outra figura sinistra que entra na vida de Joana por via do Diogo: a Rita, que também havia sido amiga (?) da Marta. A Rita diz – com uma convicção desmesurada – que só consome drogas ocasionalmente e que nunca cairia no erro da Marta e sofrer uma overdose, porque tem controlo sobre o seu corpo. Isto dá que pensar… É o sonho de todo o drogado acreditar piamente que pode controlar a reacção da substância que ingere, mas a verdade é que, para se ser um consumidor casual, um ‘chipper’ como se diz em inglês, a pessoa não pode ter demónios que queira afogar.
Conhecem alguém assim? Se é verdade que é tecnicamente possível que haja pessoas que somente tomam drogas quando querem intensificar uma experiência boa, é mais verdade que alguém comece a consumir quando está numa fase má da vida, numa tentativa desesperada de minimizar o seu sofrimento emocional. Se essa experiência funcionar, é quase certo que a pessoa irá repeti-la.
Há grandes hipóteses da Rita estar apenas a mentir a si própria, tal como tantos outros toxicodependentes. Mas se levarmos a sério as suas afirmações de que ela nunca cairia no mesmo erro da Marta, que só consome ocasionalmente, então ela estaria na categoria dos “chippers”.
O único motivo que me leva a pensar que ela está em negação é pelo facto de haver poucas pessoas à face da terra que estejam bem resolvidas consigo mesmas, que não tenhas demónios interiores. Qualquer ser que sofra uma dor emocional profunda é o candidato ideal para se tornar emocionalmente dependente de drogas. Não é difícil perceber o porquê: quando se descobre um mecanismo para afogar as mágoas, rapidamente uma pessoa se entrega a esse conforto que parece real, apesar de não o ser.
Pela descrição da carta de 20 de Fevereiro de 1994, só podemos concluir que uma dose foi suficiente para “agarrar” a Joana, fazendo-a esquecer-se do inferno em que estava metida e, no espaço de um mês, houve uma incontrolável hemorragia de pertences (incluindo jóias) que serviam para pagar o vício. Em menos de um mês de consumo, a droga toma conta dela. Em Abril desse ano, Joana faz a sua primeira cura internada, mas rapidamente tem uma recaída. Em Maio, pede para ser internada numa clínica de reabilitação. Nenhum leitor fica indiferente a este último rasgo de lucidez. Aumenta a esperança que as coisas vão correr bem…!
O que é realmente assombroso nesta obra é o desfecho de toda a trama e como ele subverte por completo as nossas expectativas. Jorge Brito, descrito pela irmã como o mais problemático da família, arranja (sabe-se lá como) uma forma de lidar com os seus problemas, e a Joana… Por outro lado, é fácil pensar que a pessoa a arrastou para o vício lhe sucumba a qualquer altura, mas tal nunca acontece. Nem o Jorge se refugia em substâncias ilícitas nem o Diogo morre.
Quanto à Joana, é óbvio que ela foi vítima de um fado insuportavelmente injusto. É mais fácil perdoá-la quando compreendemos tudo porque ela passou nos últimos dois anos de vida. Claro que ela tomou uma decisão péssima quando escolheu o caminho da auto-destruição – quer queiramos quer não, foi uma escolha dela – mas por outro lado, pode-se mesmo atribuir culpa a uma adolescente num profundo estado de depressão? Esta palavra nunca é usada no livro mas, à medida que o tempo passa, a Joana vai-nos dando várias pistas sobre o seu estado mental: a perda de interesse nos amigos, o afastamento da família, o crescente desinteresse por actividades que ela gostava, a incapacidade de se concentrar nos estudos… tudo isto são sintomas clássicos de uma depressão clínica. Ela precisava de drogas, sim, mas era de inibidores selectivos da recaptação da serotonina em vez de heroína. E isso ninguém lhe deu!
Já vi vários comentários de leitores que se perguntavam se a Joana se tinha suicidado ou se tinha sofrido o mesmo destino da sua melhor amiga. Pode parecer confuso, visto que o final é tão abrupto. Na sua última carta, Joana dá-nos duas pistas que me fazem pensar que ela morreu de overdose; primeiro, ela sonha com uma figura que, pela sua descrição, é a Morte; segundo, ela pensa em telefonar à Rita… Os toxicodependentes em recuperação são aconselhados a afastarem-se de pessoas que invoquem neles memórias do consumo de drogas. A Joana queixa-se que o Diogo foi afastado dela porque não era “aconselhável” que eles estivessem juntos mas, na verdade, os psicólogos tomaram a decisão certa quando os afastaram.
E depois, a Joana telefonou à Rita…
O que é que aconteceu?
As memórias da droga foram tão fortes que a Joana recaiu?
Que dose terá tomado?
Uma dose forte demais para o seu coração ou pulmões, talvez…
Esta pergunta nunca terá uma resposta cabal, porque a autora nunca entrou em detalhes sobre o momento final da sua protagonista. Se ela não tivesse pegado no telefone, ainda podia estar viva.
Que ironia cruel que aquele último gesto de comunicação tenha sido o catalisador da sua morte…
É de cortar para sempre o coração…
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