Penso às vezes, com um deleite triste, que se um dia, num futuro a que eu já não pertença, estas frases, que escrevo, durarem com louvor, eu terei enfim a gente que me "compreenda", os meus, a família verdadeira para nela nascer e ser amado. Mas, longe de eu nela ir nascer, eu terei já morrido há muito. Serei compreendido só em efígie, quando a afeição já não compense a quem morreu a só desafeição que houve, quando vivo. Um dia talvez compreendam que cumpri, como nenhum outro, o meu dever-nato de intérprete de uma parte do nosso século; e, quando o compreendam, hão-de escrever que na minha época fui incompreendido, que infelizmente vivi entre desafeições e friezas, e que é pena que tal me acontecesse. E o que escrever isto será, na época em que o escrever, incompreendedor, como os que me cercam, do meu análogo daquele tempo futuro. Porque os homens só aprendem para uso dos seus bisavós, que já morreram. Só aos mortos sabemos ensinar as verdadeiras regras de viver.
Há um grande cansaço na alma do meu coração. Entristece-me quem eu nunca fui, e não sei que espécie de saudades é a lembrança que tenho dele. Caí contra as esperanças e as certezas, com os poentes todos.
Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos – a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo. Todos estes meios tons da consciência da alma criam em nós uma paisagem dolorida, um eterno sol-pôr do que somos.
Existo sem que o saiba e morrerei sem que o queira. Sou o intervalo entre o que sou e o que não sou, entre o que sonho e o que a vida fez de mim, a média abstracta e carnal entre coisas que não são nada, sendo eu nada também.
Quantas coisas, que temos por certas ou justas, não são mais que os vestígios dos nossos sonhos, o sonambulismo da nossa incompreensão! Sabe acaso alguém o que é certo ou justo? Quantas coisas, que temos por belas, não são mais que o uso da época, a ficção do lugar e da hora? Quantas coisas, que temos por nossas, não são mais que aquilo de que somos perfeitos espelhos, ou invólucros transparentes, alheios no sangue à raça da sua natureza!
Há um grande cansaço na alma do meu coração. Entristece-me quem eu nunca fui, e não sei que espécie de saudades é a lembrança que tenho dele. Caí contra as esperanças e as certezas, com os poentes todos.
Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos – a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo. Todos estes meios tons da consciência da alma criam em nós uma paisagem dolorida, um eterno sol-pôr do que somos.
Existo sem que o saiba e morrerei sem que o queira. Sou o intervalo entre o que sou e o que não sou, entre o que sonho e o que a vida fez de mim, a média abstracta e carnal entre coisas que não são nada, sendo eu nada também.
Quantas coisas, que temos por certas ou justas, não são mais que os vestígios dos nossos sonhos, o sonambulismo da nossa incompreensão! Sabe acaso alguém o que é certo ou justo? Quantas coisas, que temos por belas, não são mais que o uso da época, a ficção do lugar e da hora? Quantas coisas, que temos por nossas, não são mais que aquilo de que somos perfeitos espelhos, ou invólucros transparentes, alheios no sangue à raça da sua natureza!
Bernardo Soares – Livro do Desassossego
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